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terça-feira, 18 de outubro de 2016

Paulo Moreira Leite: 'Em 2036, almoço com a família PEC 241'


"A história de povos e países ensina que nunca foi possível superar o atraso e a miséria sem a fantasia de uma situação melhor. Não haveria democracia, em nenhum lugar do mundo, sem o sonho do século XVIII de um sistema de homens livres e iguais."



- Paulo Moreira Leite, jornalista, escritor e diretor do 247 em Brasília - "Ao longo de várias gerações, reprises e versões, os brasileiros já acompanharam o destino de várias famílias fictícias. Entre 1967 e 1971, era possível dar boas gargalhas com a Família Trapo, onde Ronald Golias, no papel do inesquecível personagem Bronco Dinossauro, produziu momentos antológicos do humor brasileiro.

Em 328 capítulos, exibidos pela primeira vez entre 1970 e 1971, o jovem Tarcísio Meira no papel principal, Irmãos Coragem contava a epopeia de uma família de um garimpeiro as voltas com a tirania de um coronel sem escrúpulos numa cidade remota do país. Muitos enxergavam neste microuniverso uma metáfora sobre a ditadura militar que esmagava o país, na época.

A família de 2016 não tem o humor da primeira, nem os lances de heroísmo da segunda. 

Estou falando da família PEC 241, uma farsa construída por economistas e porta-vozes do governo Temer-Meirelles em atividade nos meios de comunicação. Sua finalidade é funcionar como suporte ideológico ao mais perverso programa de ataque ao patrimônio econômico do país e ao progresso – relativo mas real – de conquistas sociais, num processo até chocante pelo espírito neo-colonial. Em síntese, quer iludir consciências para amortecer a resistência.

Para empregar um diagnóstico do economista e professor da PUC de São Paulo Antônio Correa de Lacerda (Estado de S. Paulo, 15/10/2016), a intenção é construir um “autoengano coletivo” sobre o “orçamento do lar.”

Metáfora risível, que deveria corar de vergonha todo economista e todo jornalista que tenta nivelar as opções que envolvem gastos do Estado com decisões que envolvem orçamento de uma família, sugerindo que dizem respeito a realidades comparáveis, o sucesso publicitário da família PEC 241 é enganoso – mas não pode ser negado.

Já lhe permitiu atravessar a primeira de duas votações na Câmara. Caso não seja  derrotada numa segunda decisão, missão que boa parte dos observadores considera muito difícil, a última palavra caberá ao Senado. Também não será fácil, convenhamos.

Assim, sem uma forte reação das ruas, que deve ser trabalhada e articulada pelas organizações de trabalhadores e dos movimentos sociais, o país irá ingressar numa realidade econômica e social que parecia extinta pela Revolução de 1930. Sim.

O horizonte de uma regressão de mais de 80 anos, um retorno a velha república do café com leite, ajuda a explicar a disputa entre mineiros e paulistas do PSDB, convencidos de que a sucessão de 2018 será um anacrônico baile entre eles, com o povo mantido a distância, como acontece nas sociedades onde a questão social é um caso de polícia, como dizia o carcomido Washington Luiz. 

Para entender o caráter ruinoso da metáfora que compara o governo a uma “dona de casa”, vamos levar esta imagem a sério. Pense em qualquer família, inclusive na sua, para entender o que vem a ser a economia da família PEC 241. É fácil perceber que não há nada de doméstico nos eventos e mudanças principais que irão ocorrer no país. O papel do Estado, com investimentos, e estímulos, aparece em decisões e episódios que muitas pessoas tem dificuldade para compreender e imaginar.
 
Por exemplo: sente-se à mesa de um imaginário almoço de domingo. Claro que a terceirização irá diminuir a presença de pais e irmãos, já que muitos serão obrigados a trabalhar no antigo dia do descanso.  Isso já acontece hoje, mas será ainda mais frequente em duas décadas, com a PEC 241, quando a CLT terá sido transformada em menos que um retrato na parede.

Como também lembrou Antônio Correa de Lacerda, daqui a 20 anos a população terá crescido 10%, ou 20 milhões de pessoas, o que implicará num adicional importantes nas despesas típicas para atender a demanda de jovens, desde alimento até educação – num horizonte de cobertor curto, onde o movimento que cobre a cabeça expõe os pés e vice-versa.

Ao mesmo tempo, as vovós e vovôs irão dobrar. Se hoje eles vão embora mais cedo – e representam 12,1% da população – em 2036 chegarão a 21,5%. Mesmo com os cortes previsíveis nas despesas com saúde pública, a expectativa de vida tende a aumentar – como se nota, inclusive, em países que sobrevivem num grau de miséria grotesca que a maior parte dos brasileiros abandonou na última década e meia.

Não pense em senhoras e senhores de cabelos brancos, que em anos recentes tiveram um reforço em suas pensões e até puderam dar apoio, com conforto razoável e saudável orgulho, um número maior de filhos e especialmente netos. A contrapartida da PEC 241 é a reforma da Previdência, o corte das pensões, a criação de barreiras a aposentadoria. Isso quer dizer que nossos velhinhos mal terão para o próprio sustento e, em vez de ajudar, muitas vezes serão obrigados a pedir ajuda. Muitos voltarão a residir com os filhos, naquela convivência compulsória que pode ser tensa e pesada, pode ser muito enriquecedora e agradável, mas também tensa e pesada. 

Forçados a trabalhar até mais tarde, para atingir o limite de idade para a aposentadoria, os avôs e avós mais irão levar mais tempo para deixar o mercado de trabalho. Vão trabalhar até a última gota. Isso irá dificultar a abertura de vagas para as gerações mais jovens. As consequências são previsíveis, em qualquer país onde os jovens não tem oportunidades necessárias de estudo e trabalho. Já somos a quarta população carcerária do planeta. Conforme algumas estatísticas, podemos ser considerados a primeira. Alguém tem dificuldade de prever o que pode acontecer depois da PEC 241?

Na família da PEC 241, não teremos de garotos e garotas que tiveram acesso a bolsas no Exterior, que logo estarão na mira da tesoura de Meirelles-Temer, junto com o FIES e, é claro, o pró-UNI. Pelo retorno das mãos mais visíveis do racismo, teremos ataques duros ao programa de cotas.  Na melhor das hipóteses, a PEC 241 irá implantar o modelo educacional previsto nos acordos MEC-USAID dos primeiros anos da ditadura de 64. Este projeto acabou derrotado nas ruas dos protestos estudantis da geração de 1968, que impediram uma reforma universitária que previa universidade pública para poucos – e paga – e ensino profissionalizante para alguns. Estamos no país onde só vai para a universidade quem tem dinheiro, como disse aquele deputado paulista, numa frase de quem perdeu todo receio de assumir o caráter de classe da PEC 241. 

Neste imaginário almoço em família de um país derrotado, vinte anos depois que suas maiores peças de resistência foram destruídas, pelo abuso e pela prisão, depois da sobremesa alguém irá lembrar como era a vida no Brasil antes que todos tivessem incorporado a PEC 241 ao sobrenome.

Sempre aparece um parente que leu textos que os jornais não publicam, que foi atrás dos fatos como eles aconteceram e é capaz de separar a verdade da lenda. Então todos irão lembrar que o empobrecimento, a miséria cultural e o inferno de uma sociedade sem espinha dorsal só foi possível depois que, embalada por um golpe de Estado pacífico mas nem por isso não-violento, a PEC 241 impediu um país inteiro de sonhar. Irão compreender que é por isso que, hoje, colunistas amigos escrevem, com orgulho, que a PEC é o fim da fantasia. É mesmo. E é um projeto venenoso justamente por isso. Este é o mal. O pesadelo.

A história de povos e países ensina que nunca foi possível superar o atraso e a miséria sem a fantasia de uma situação melhor. Não haveria democracia, em nenhum lugar do mundo, sem o sonho do século XVIII de um sistema de homens livres e iguais – que os sábios da época diziam ser inviável e insustentável, já que a maioria da humanidade era formada por pessoas submissas e diferentes pela renda, pelo estudo, pela história.

A humanidade não teria vencido o terror e a tragédia do nazismo sem a convicção de que era possível vencer a Depressão terrível da economia criada pela crise de 1920-1930.

O Brasil não teria vencido a ditadura militar sem o sonho de outro país, outra ordem política, outras oportunidades, expressas na Constituição de 1988 – e realizadas, ainda que parcialmente, com vários limites e muitos pontos críticos, pelos governos Lula e Dilma.

Nenhuma dessas mudanças se fez sem investimentos públicos, sem estímulos ao crescimento e a distribuição de renda. É isso que faz as decisões de governo essencialmente diferenças das decisões de uma família.

Um governo fixa os juros e tem meios de promover o crescimento ou a ruína organizada de um país. A família está submetida a política econômica que o Estado determina. Paga a taxa de juros que o Banco Central definiu. Pode fazer empréstimos e consumir, se encontra juros favoráveis. Ou terá de empobrecer e conformar-se, caso sejam impagáveis – como quer a PEC 241.

A boa lição da história é que não se conseguiu, até agora, eliminar a capacidade de um povo sonhar e fantasiar. Os efeitos do pensamento único pode ser mais ou menos duráveis. A audiência da burrice bem remunerada pode alcançar um alcance surpreendente. Mas nada disso dura para sempre. Em geral, menos do que se programava. A pior ditadura do século XX durou 83 vezes menos do que seus arquitetos planejavam. Os 25 anos sonhados pelo PSDB depois da vitória de Fernando Henrique limitaram-se a 8 – sem golpe parlamentar.

Acredito que, mesmo que venha a ser aprovada, a PEC 241 não irá sobreviver o período de 20 anos de seus criadores. Não chegará nem aos dez, previstos para uma revisão intermediária.

Tenho certeza de que, mais cedo do se imagina, os brasileiros irão reagir e impedir que seu país seja transformado em ruína. Foi assim em 1965, em protestos contra a recessão que anteciparam 1968. Também foi assim na resistência a recessão de 1983, que abriu a Diretas-Já em 1984.

Exercício de imaginação e futurologia, o almoço de um domingo de 2037 é uma tentativa de alerta – num momento em que a ficção ajuda a compreender a realidade. 

***

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quarta-feira, 4 de junho de 2014

Caçando blogueiros

Paulo Moreira Leite, na Istoé *

- Quem impede o debate sobre a democratização dos meios de comunicação força o jogo na sombra de verbas públicas - Vamos falar da substância das coisas. A caçada a blogueiros simpáticos às conquistas criadas no país depois da posse de Lula, em 2003, iniciada com a investigação sobre um suposto “bunker” do PT na prefeitura de Guarulhos, deve ser visto como aquilo que é.

Uma tentativa autoritária de silenciar vozes que divergem do monopólio político da mídia.

Sei que essa frase parece panfleto esquerdista mas não é.

Num país onde 141 milhões de eleitores foram transformados em reserva de mercado de uma midia monopolizada pelo pensamento conservador,  a internet tornou-se um espaço de resistência de uma sociedade contraditória e diversificada. Todo mundo – direita, esquerda, centro, nada, tudo, xixi, cocô – está ali.  

Vamos combinar. Hipocrisia demais não funciona. Truculência também não.

Até para ter um pouco de credibilidade, sem traços claros de ação eleitoral, a  denúncia contra blogueiros deveria ser acompanhada pela exposição pública da contabilidade dos grupos de mídia que loteiam cada minuto de sua programação e cada centímetro quadrado de suas páginas com milionárias verbas de publicidade federal, estatual, municipal – sem falar em empresas estatais.

Estamos falando de serviços  de mendicância publicitária, de caráter milionário.

Seguido o método empregado em Guarulhos, seria didático exibir cada cifrão ao lado de cada pacotão de texto e fotos, concorda? Teriamos bom circo por meses e meses.

Tentar criminalizar blogueiros pela denuncia de gastos públicos – uns caraminguás, pelos padrões de mercado  -- é um esforço que apenas trái uma visão contrária à liberdade de imprensa, típica de quem não aceita   diversidade nem contraponto, mas apenas elogios e submissão. É o pensamento único em método linha dura e capa de falso moralismo. Apesar do escândalo, é uma denuncia verbal-investigativa. Nada se provou de ilegal.

Nós sabemos qual é a questão de fundo.

Enquanto não se aceitar o debate sobre democratização dos meios de comunicação, que poderia permitir uma discussão pública, às claras, expondo imensos interesses econômico e politicos em conflito, como se fez em vários países avançados do capitalismo, o jogo nas sombras será inevitável. Isso porque as pessoas precisam receber informações, falar, conversar, dar opiniões. Elas concordam, discordam, rejeitam e querem mais.

Não adianta adiar a chegada de um novo grau de democracia e  civilização. Ela transborda. Na agonia do regime de 1964, quando a imprensa amiga dos generais chegava a proteger a ditadura por todos os meios -- inclusive derrotas eleitorais eram transformadas em vitória -- os governadores de oposição financiavam nova publicações, sem ranço e sem comprometimento. Enquanto isso, até jornais alternativos, de faturamento menor do que a quitanda da esquina, eram alvo de uma devassa permanente por parte da ditadura. Empresários privados eram pressionados a saber quem ajudar -- e a quem negar ajuda.
Aparelhismo?

Os últimos anos mostraram – e os blogueiros expressam isso -- que o país não cabe nos limites mentais, políticos, culturais, do ideário conservador. Quer mais, quer diferente e por três vezes disse isso nas urnas. A internet e os blogueiros expressam isso. Têm este direito.

Alguma dúvida?

Este é o debate.


*Paulo Moreira Leite, é Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".


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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Um bode no Congresso


Com 41 anos de Congresso, Henrique Alves parece enquadrar-se na categoria de parlamentar típico, que habita a fronteira daquela zona cinzenta das finanças políticas, onde nem sempre é possível separar o legal do ilegal – mas é sempre possível dizer que é tudo imoral e quase tudo é suspeito.
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