O caso de
Vital do Rêgo Filho, ex-senador do PMDB e atual ministro do TCU, um dos citados pelos delatores da Odebrecht, joga luz sobre um problema no sistema de fiscalização das contas públicas brasileiras.
Eis apenas dois fragmentos do
pedido de inquérito sobre o ministro:
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Nesse contexto, houve pedido específico de repasse de vantagem a pretexto de campanha de VITAL DO RÊGO, cujo pagamento foi feito via contabilidade paralela, de forma não oficial, sendo operacionalizado pela equipe de HILBERTO SILVA na forma já relatada anteriormente.
(…)
No Termo de Depoimento n° 9, JOSÉ DE CARVALHO narrou que, em 2014, FERNANDO REIS solicitou-lhe que desse contribuição para o então Senador VITAL DO RÊGO no valor de 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais), tendo este lhe apresentado um assessor dele e depois passado a senha e o endereço de entrega para ele."
Uma observação deve ser frisada: a delação se refere a 2014, apenas um ano antes de Rêgo se tornar ministro do TCU. Naquele mesmo ano, ele foi indicado ao cargo pelo Senado. A decisão anunciada em novembro
por Renan Calheiros (PMDB-AL), então presidente da casa.
Como ele foi parar ali?
O TCU é o
órgão máximo na fiscalização “contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial” de dinheiro público, conforme descrição do próprio órgão. E isso envolve orçamentos de políticos, administrações públicas, empresas estatais e também empresas privadas contratadas por órgãos públicos.
Paralelamente a ele, existem os tribunais de conta dos estados e municípios, que fazem trabalho similar, mas com ação mais restrita. O problema inicial se encontra na escolha dos principais chefes desses tribunais: ela é majoritariamente política. E isso também está definido na
Constituição:
Ou seja, dos
nove ministros apenas dois são técnicos de carreira. Os demais são indicados pelos mesmos políticos que deverão fiscalizar. Lucieni Pereira, diretora da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas (ANTC), critica a maioria política na composição de tribunais de conta de todas as esferas, afirmando que esta é uma das variadas formas de minar a independência do auditor: “A gente não pode permanecer com esse modelo desproporcional. Se os políticos são maioria, eles se fecham em bloco e excluem os técnicos, se blindando e fazendo o que querem”.
Nos estados, indicações políticas são ampla maioria
Pereira explica que isso foi levado ao extremo no tribunal do Rio de Janeiro, onde seis dos sete conselheiros foram afastados por denúncias de corrupção, sendo cinco deles
presos provisoriamente no dia 29 de março e
soltos após uma semana.
A composição dos tribunais de contas estaduais pode variar de acordo com as constituições dos estados, que regram como devem ser escolhidos os conselheiros. No caso específico do Rio, a única conselheira que passou incólume pela apreensões da Polícia Federal foi Mariana Montebello. Não por coincidência, ela também era a única dos nove indicada pelo Ministério Público Estadual. Todos os outros foram colocados no cargo por
indicações do governador ou da assembléia legislativa do estado.
Em São Paulo, o conselheiro Robson Marinho foi
denunciado esta semana pela Procuradoria-Geral da República. Ele é acusado de receber propina da empresa francesa de transportes Alstom. Os pagamentos seriam para beneficiar a companhia em contratos com o governo do estado de São Paulo em projetos do metrô da capital, no caso que ficou conhecido como
Trensalão.
Em nota técnica, a Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU) apontou as diferenças salariais desproporcionais entre cargos comuns e de liderança como motivadoras de “dependência financeira” que acabaria com a independência dos profissionais, além do excesso de cargos comissionados:
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a permissividade com a participação de comissionados sem vínculo, servidores cedidos, em desvio de função e até terceirizados nos postos de liderança e na execução da atividade finalística de controle externo são fatores críticos que precisam ser superados."
A saída possível
Uma
Proposta de Emenda Constitucional com a finalidade de alterar a forma de composição dos tribunais de contas foi formulada pela Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON) e acolhida pela Frente Parlamentar de Combate à Corrupção. A PEC propõe que o universo de escolha dos ministros e conselheiros de tribunais de contas seja restrito a pessoas com experiência e formação profissional em direito, administração, economia ou contabilidade.
“Hoje chegamos a ver chefes de equipes e conselheiros com apenas ensino médio. Essas pessoas têm o poder de, com uma canetada, derrubar relatórios feitos por equipes dezenas de auditores formados e experientes no assunto”, critica a diretora da ANTC. Atualmente, a PEC
encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, sob a relatoria do deputado federal Alessandro Molon (Rede-RJ).
O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Vilson Antonio Romero, critica o fato de os relatórios feitos pelos técnicos do tribunais serem encaminhados a conselheiros e ministros escolhidos por indicação política: “Como você pega um relatório contábil feito por pessoas com gabarito para isso e entrega na mão de políticos que não sabem nem de que lado do relatório que se deve colocar os números?” Ele se vê incrédulo sobre a possibilidade de a Câmara aprovar a PEC, tendo em vista que “quem tem poder de mudança sobre isso são os maiores interessados em se manter da forma como está”.
Por meio de nota, o ministro do TCU Vital do Rêgo e sua defesa afirmaram que não tiveram acesso ao conteúdo do pedido de abertura de inquérito mencionado pela imprensa. A nota diz ainda que o ministro está à disposição das autoridades e mostrou confiança que será comprovada a “falta de relação entre ele e os fatos investigados”.
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