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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Luís Fernando Veríssimo: Arrependidos

Por Luís Fernando Veríssimo, em 14/02/2016 -“Não desespere. Se a humanidade lhe parece desprovida de caráter e autocrítica, movida pela ganância e a cupidez, odienta, suja, podre, nojenta e má, sem nada que a redima, confie em outra característica humana, que é o arrependimento. É preciso acreditar que, cedo ou tarde, as pessoas se arrependem do que eram ou fizeram e se retratam, e podemos voltar a confiar no ser humano.

Temos muitos exemplos disso à nossa volta. Sim, bem aqui, neste país que, a julgar pelo noticiário, chafurda num atoleiro moral sem precedentes. Na própria Operação Lava-Jato, que desnuda diariamente as mazelas brasileiras, temos tido casos de remorso que reacendem nossas esperanças. 


Grandes empresas, acusadas de comprar contratos e vantagens com propinas para políticos e partidos, arrependeram-se e pedem leniência para poderem, modestamente, continuar a trabalhar. Em troca, prometem devolver o dinheiro desviado nos casos investigados – não, claro, o lucro produzido em muitos anos fazendo a mesma coisa sem chamar a atenção, o que já seria demais – e fazer penitência. Duas aves marias e três padres nossos e não se fala mais nisso. Que bonito.

Há outros exemplos edificantes. Um dos delatores da Operação Lava-Jato fez uma delação premiada, arrependeu-se dela e fez outra, desmentindo a primeira. A primeira não agradou aos investigadores, a segunda, sim. Porque, além de tudo, veio abençoada pela bela virtude do arrependimento. Que se saiba, o delator repetente continua delatando, em homenagem ao seu remorso exemplar.

Lula e o PT, segundo partido mais citado nas investigações sobre propinas (o primeiro é o PP, cujo envolvimento, estranhamente, não parece interessar muito aos investigadores e ao noticiário), têm dado mostras de arrependimento, ainda não explícito, mas bastante promissor. Talvez um remorso mais evidente pelos seus erros (cinzas sobre a cabeça etc.) ajude a salvar o PT. E agora temos uma confissão de remorso surpreendente, partindo do PSDB, que, imaginava-se, não precisava fazer penitência porque nunca pecara. O deputado baiano Antônio Imbassahy, novo líder do partido, reconheceu que o PSDB optou por sabotar o ajuste fiscal e cometeu o que chamou de “outras extravagâncias” com a única intenção de atrapalhar o governo, mesmo prejudicando o país. O Imbassahy não pede desculpa ao país, mas promete que a irresponsabilidade não se repetirá porque “não cabe à oposição fazer coisas malucas”. Ou seja, quando perdeu a eleição, o PSDB ficou maluco, mas já passou.

E o Imbassahy se arrependeu, gente. Há esperança.”

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domingo, 22 de novembro de 2015

Clinton, Obama e os "comunas" da CIA

Por Mauro Santayana – “Conferencista internacional, assim como Fernando Henrique Cardoso e Lula, e um dos mais bem pagos palestrantes do mundo, o ex-presidente Bill Clinton esteve na última semana em Brasília, onde encerrou encontro da CNI – Confederação Nacional da Indústria.  
Em seu discurso, ele lembrou as conquistas do Brasil nos últimos anos, afirmou que o nosso futuro é brilhante, e que é preciso unir as forças positivas da Nação para enfrentar os eventuais desafios deste que é “um dos melhores países para se investir em todo o mundo”.

E, por isso, por nadar contra a corrente - daqueles que prefeririam ver o país descer, se arrebentando, pedregosas corredeiras em direção a um ralo de esgoto - Clinton foi e está sendo execrado e insultado por dezenas de indignados hitlernautas na internet.        
Em quem os brasileiros que “detonam” Clinton nas redes sociais - porque ele diz que o Brasil não é, ao contrário do que afirmam muitos, um barco que está afundando - querem que o ex-presidente norte-americano confie?

Nas manchetes de uma mídia seletiva, associada entre si em veículos, negócios e pautas comuns, que pinta com as cores do diabo, o Brasil de todos os dias, na capa dos diários, das revistas semanais, nos telejornais e nos programas de rádio?

Ou no que diz, por exemplo, o órgão de espionagem e contra-espionagem norte-americano, que tem o dever de informar o governo dos EUA, a Central Intelligence Agency, Agência Central de Inteligência, tão cantada e decantada - como bastião na linha de frente da defesa do “ocidente” e da democracia, contra a assustadora “ameaça comunista” - pelos mesmos radicais de direitaque atacam o ex-presidente norte-americano, por falar bem do Brasil?

Pelo que dizem a mídia, e os fascistas de plantão nos grandes portais e nas redes sociais, o Brasil está quebrado, no fundo do poço, dominado, destruído e inviabilizado economicamente, por um grupo  criminoso mais poderoso e tentacular que a K.A.O.S, a organização galhardamente combatida pelo Agente 86, mais conhecido como Maxwell Smart, nas telas de televisão, no auge da Guerra Fria.

Uma suposta e fantasiosa ORCRIM (organização criminosa) - comandada por certo Foro de São Paulo, com o objetivo de se assenhorear do poder na América Latina, e construir “paredões” por todos lados - que destruiu o país.

Pelo que diz a CIA, em seus relatórios anuais de informação (The Worldfactbook 2002) (The Worldfactbook 2015), o Brasil passou de um PIB de 1.3 trilhões de dólares, em 2002, para 3.2 trilhões de dólares, em 2014, quase triplicando o tamanho de sua economia por Poder Paritário de Compra, e mais que duplicando, de pouco mais de 7.000 dólares, em 2002, para 16.100 dólares, a renda per capita, também por Poder Paritário de Compra, desde que o Senhor Fernando Henrique Cardoso deixou o poder.

É esse o retrato de um país acabado, no fundo do poço, que está quebrado e sem solução?
Vejamos como começa o relatório da CIA sobre o Brasil:

“Characterized by large and well-developed agricultural, mining, manufacturing, and service sectors, and a rapidly expanding middle class, Brazil's economy outweighs that of all other South American countries, and Brazil is expanding its presence in world markets. Since 2003, Brazil has steadily improved its macroeconomic stability, building up foreign reserves, and reducing its debt profile by shifting its debt burden toward real denominated and domestically held instruments. Since 2008, Brazil became a net external creditor and all three of the major ratings agencies awarded investment grade status to its debt.”

“Caracterizada por setores agrícola, de mineração, manufatura e serviços grandes e bem desenvolvidos, e uma classe média em rápida expansão, a economia do Brasil supera a de todos os outros países da América do Sul, e o Brasil está expandindo sua presença nos mercados mundiais. Desde 2003, (será que essa data é mera coincidência?) o Brasil melhorou a sua estabilidade macroeconômica, construiu reservas de divisas, e reduziu o seu perfil de dívida, transferindo sua dívida para instrumentos denominados em reais no mercado interno. Desde 2008, o Brasil tornou-se um credor externo líquido e as principais agências derating concederam grau de investimento para sua dívida.”

Faltou completar dizendo que a dívida líquida pública brasileira caiu quase pela metade no mesmo período, e que o Brasil é, hoje, o terceiro maior credor individual externo dos EUA, como se pode ver na página do próprio tesouro norte-americano:

https://www.treasury.gov/ticdata/Publish/mfh.txt

Estará a imprensa brasileira sabendo de alguma coisa que a CIA, ou, melhor, que o Fundo Monetário Internacional, ou o Banco Mundial, que apresentam números ainda melhores do que os da Central Intelligence Agency  sobre a evolução do Brasil nos últimos 13 anos, não sabem?

Ou que a ONU não sabe, sobre a evolução dos indicadores sociais do Brasil no mesmo período?

Ou terão sido os valorosos agentes secretos dos EUA, sedutoramente enganados pelos malvados e famintos "MAVs" comedores de pão com mortadela do PT?

Ou pior, não terão os petistas, com sua conhecida competência na insidiosa arte do aparelhamento, tão a gosto dos esquerdistas-comunistas-gramscianos-bolivarianos, infiltrado alguns agentes duplos “melancia” (verdes por fora, vermelhos por dentro), nos escritórios da sede da CIA, em Langley, na Virginia?

A resposta é simples.

Clinton é norte-americano – teoricamente menos informado sobre o Brasil, embora já tenha estado aqui por 15 vezes nos últimos anos – mas não é burro, nem idiota.

Ao contrário de uma pseudo “maioria” ignorante e manipulada que pulula pelos portais e redes sociais brasileiras, torcendo abertamente contra o país e contra nossas maiores empresas (praga de urubu magro não pega em cachorro gordo) ele não tem a mente feita – ou melhor, permanentemente desfeita – pelo discurso raso e rasteiro da crise absoluta e do apocalipse nacional.

Mister Clinton vive no século XXI, em um momento em que os Estados Unidos acabam de reatar relações diplomáticas com Cuba, e são obrigados a sentar-se e a negociar com russos e iranianos a situação na Síria.

E como uma figura pública, cuja mulher disputa a indicação para candidata a Presidente da República pelo Partido Democrata nos EUA, ele prefere certamente se basear em informações como as compiladas pelos  funcionários do serviço secreto do seu país e por organizações econômicas multilaterais internacionais, para analisar o Brasil, diante de  brasileiros, muitos deles contaminados, infelizmente,  por um ódio cego e um preconceito ideológico que os impede, como viseiras, de avaliar a verdadeira situação do país.

Nisso, Clinton se iguala a Obama, que, apesar, também, de ser norte-americano, sabe muito bem que o Brasil é, enquanto a quinta maior nação do planeta em território e população, e a sétima maior economia do mundo (ocupávamos o décimo-quarto lugar em 2002) uma potência mundial, e não regional, como disse claramente - contestando à abjeta pergunta-afirmação de uma repórter “brasileira”, em entrevista coletiva na Casa Branca, durante visita da Presidente Dilma aos EUA, em julho deste ano.  
         
Tem razão o Ministro Lewandowski, que está sendo também execrado, como Judas, pela mesma tropa fascista da internet, ao dizer que é preciso esperar “três anos” sem golpe, que haverá eleições daqui a um ano, e que a crise é mais política que econômica.
Como se pode ver pela recuperação do saldo da balança comercial, pelo aumento da produção da Petrobras, pelo avanço da redução da desigualdade, por 1.5 trilhão de reais em reservas internacionais, pelos fantásticos lucros dos bancos, está claro que a crise é, principalmente, política.

Uma crise cada vez mais artificial, exagerada, mentirosa, conspiratória e hipócrita.

Que precisa ser desmentida, desmistificada e combatida, politicamente, por todo cidadão responsável e consciente deste país.

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Fonte: 247
Imagem: reprodução/wnyc.org/Getty Images

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terça-feira, 10 de novembro de 2015

A Primeira Delação Premiada

“Pobre Adão, agora se vê no meio de uma disputa entre dois grupos politicamente exaltados” – Por Rob Gordon (*), no PapodeHomem.
"– Senhor?
– Pois não?
– Adão na linha nove.
– Pode passar.
– Sim, Senhor.
– Alô?
– Oi, Adão. Faz tempo que não falo com você. Tudo bem?

– Tudo. E o Senhor?
– Correndo como sempre. O que manda?
– Ah, eu não vou tomar muito do Seu tempo. Liguei só para esclarecer uma dúvida. Quais os tipos de porcos que existem aqui no Paraíso?
– Como assim?
– Os porcos que existem aqui embaixo. Eles são de vários tipos, certo?
– Isso. Existem os porcos, os porcos do mato, os javalis...
– O otorrino...
– Não é otorrino, Adão, é ornitorrinco. Eu vou ter que corrigir você toda vez?
– Desculpe. Eu não consigo decorar dessa palavra.
– E o ornitorrinco não é um porco.
– Não? Na verdade, eu sempre achei que esse bicho fosse uma espécie de coringa.
– Como assim?
– Ah, achei que ele pudesse ser visto como qualquer outro animal, dependendo do caso. Por exemplo, se alguém precisar de quatro cavalos e só encontrar três, pode usar o ornitorrino como quarto cavalo.
– Ornitorrinco. E não, ele não é um coringa. Ele é um animal como outro qualquer.
– Certo. Mas vamos falar dos porcos. Porco do mato, javali... Que mais?
– Adão, para que você precisa saber isso?
– Porque meu advogado disse que eu preciso de um habeas porcos, e eu não faço ideia de quais porcos são esses.
– Adão, isso não é um porco.
– Não?
– Não. O nome é habeas corpus, e isso é um... Espere um pouco. Desde quando você tem um advogado?
– Desde que eu fui acusado de corrupção.
– Corrupção? Como assim?
– Sim, já faz uns dias que está uma baita confusão aqui embaixo. Eu fui acusado de superfaturar as obras do Paraíso e de subornar os animais para fazerem meu serviço enquanto eu fico descansando.
– Mas que obras do Paraíso? Não tem nenhuma obra aí embaixo.
– Sim, eu tentei explicar isso, mas ninguém quis me ouvir. Então contratei um tubarão como meu advogado para construir minha defesa.
– O tubarão?
– Sim.
– Você contratou um tubarão como advogado?!
– Ele ofereceu os serviços. Como não conheço nenhum outro advogado... Bem, eu aceitei.
– Mas, Adão... Que acusações são essas? De onde elas vieram?
– Do pessoal da oposição.
– Que oposição? Você não tem oposição nenhuma!
– Sim, era o que eu pensava. Mas, na verdade, eu tenho. Quer dizer... Nós temos.
– Nós? Como assim?
– Sim. Quem está à frente de toda essa confusão é a serpente. Eu percebi isso logo depois do depoimento dos macacos.
– Depoimento? Que depoimento?
– Vou contar desde o começo. Um dia, o Paraíso amanheceu sem banana alguma. Todas as bananeiras estavam peladas. Logo depois, os macacos foram acusados de desviar as bananas do Paraíso para a floresta onde eles moram. Então os animais aqui embaixo resolveram criar uma comissão para investigar o caso.
– Uma comissão?
– Isso. Eles chamam de CPI. Comissão Paradisíaca de Investigação. Os macacos foram chamados para depor e, no meio do depoimento, eles avisaram que entregariam o chefe da quadrilha caso a pena deles fosse reduzida.
– E eles falaram que o chefe da quadrilha é você.
– Isso. Disseram que eu estou por trás de tudo e que eles estavam agindo apenas como laranjas. Na verdade, eu não entendi direito essa parte, porque os macacos tinham sido acusados de desviar bananas, e até onde eu sei ninguém tinha falado nada sobre as laranjas. Aliás, as laranjas estão lá nas árvores, ninguém mexeu nelas. Não sei como elas entraram nessa história.
– Isso não tem importância. Continue.
– Macacos gostam de laranja?
– Adão, continue a história.
– Certo. Os macacos começaram a falar que eu ganho comissão por cada coisa nova que é criada no Paraíso. Falaram também que eu nem apareço no trabalho, fico na minha caverna descansando e, no final do mês, emito uma nota fiscal por uma empresa fantasma.
– Empresa fantasma?
– Isso. Na verdade, foi por isso que eu contratei um advogado. Eu não entendi nem metade das acusações.
– Depois a gente conversa sobre isso. O que você fez a respeito?
– Eu tentei argumentar com os animais, mas isso só piorou a situação. Eles fizeram um cocaço.
– Um o quê?
– Um cocaço. Eu subi numa pedra e comecei a falar que eu não tinha nada a ver com aquilo, que nem sabia do que os macacos estavam falando. Mas nenhum animal me ouviu. Todos estavam segurando cascas de coco e, assim que eu começava a falar, eles começavam a bater uma casca na outra. Eles fazem isso toda vez que eu tento falar.
– Isso é um cocaço?
– Isso. Foi aí que eu percebi que era a serpente por trás de tudo. Porque foi ela quem distribuiu as cascas de coco. Além disso, ela conseguiu dividir os animais em dois grupos que se odeiam e querem me expulsar do Paraíso.
– Espere. Eles se odeiam, mas querem acabar com você?
– Sim.
– Isso não faz sentido.
– Eu não entendi direito também. Pelo que eu entendi, a serpente disse para metade dos animais que eu quero começar uma ditadura comunista no Paraíso e que preciso ser impedido a qualquer custo. Para a outra metade, ela disse que sou reacionário e que preciso ser expulso daqui porque atrapalho o progresso.
– Comunista? Reacionário? Estão chamando você disso?
– Sim. Alguns animais querem que eu volte para Cuba e outros querem que eu me mude logo para Miami. Eu não sei onde ficam esses lugares. Isso é aqui no Paraíso?
– Bom, tem quem ache que sim.
– Ah, é?
– Esquece. Eu estava apenas pensando alto.
– Certo. Enfim, eu não tenho como me defender porque não sei o que essas palavras querem dizer. Cada grupo fica se atacando o dia inteiro e dizendo que eu pertenço ao outro grupo. Ficam trocando acusações, com cada um culpando o outro por tudo que eles acham que está errado aqui no Paraíso e se acusam de querer dar um golpe. Mas os dois lados querem a mesma coisa.
– Assumir o controle do Paraíso.
– Não! Eles querem minha cabeça!
– Todos os animais tomam parte nisso?
– Todos. Ah, não. O leão não. Ele preferiu não tomar partido.
– Bom, ao menos temos um animal com bom senso.
– Na verdade, é como se ele tivesse fundado um terceiro grupo. Disse que é monarquista e se autodeclarou o rei da floresta. Sinceramente, eu não estou entendendo mais nada que acontece aqui. Aliás, eu pensei em uma maneira de unir os dois grupos e queria a opinião do Senhor.
– Diga.
– Eu poderia criar ministérios e distribuir entre eles. Por exemplo, eu poderia criar o Ministério das Árvores e entregaria para um dos grupos. Aí eu criaria o Ministério dos Lagos e entregaria para um o outro grupo. Assim, quem sabe, eles me deixariam em paz.
– Não, essa é a pior coisa que você pode fazer.
– Como assim?
– Se você fizer isso, nunca mais vai conseguir fazer nada no Paraíso. E a briga vai continuar. Aliás, vai até aumentar. Logo, você vai ter que começar a criar um ministério atrás do outro, somente para agradar os dois grupos.
– Bom, então não sei o que fazer. Antes de mim, não tinha outro homem no Paraíso, certo?
– Não. Você é o primeiro. Por quê?
– Porque meu advogado disse que eu poderia colocar a culpa no meu antecessor. Falar que a culpa é dele e que tudo isso está acontecendo porque estou tentando resolver o que ele fez. Isso poderia acalmar um pouco as coisas.
– Não, Adão, não existiu ninguém antes de você.
– Olhe, eu não consigo fazer mais nada. Eu começo a limpar o lago, sou vaiado. Eu paro de limpar o lago, sou vaiado. Vou podar as árvores, sou vaiado. Paro de podar as árvores, sou vaiado. Aí eu tento falar algo e começam a bater os cocos. Não é fácil. E sabe o que é pior?
– Diga.
– Com toda essa guerra entre os dois lados, ninguém mais nem lembra que os macacos roubaram as bananas. Aliás, os dois grupos já avisaram aos macacos que, assim que eu for expulso do Paraíso, eles serão apontados os administradores daqui.
– Os dois grupos decidiram isso?
– Isso. Os macacos até mesmo formaram um grupo para isso. Partido dos Macacos da Mata de Babaçu.
– PMDB?
– Isso. E os dois grupos ficam em guerra, querendo me destruir e tentando se aliar aos macacos. Eles não percebem que o Paraíso inteiro está sendo prejudicado por causa disso.
– Isso não pode continuar. Quando é sua audiência na tal da comissão?
– Amanhã. Por isso eu preciso de um habeas porcus ainda hoje.
– Corpus. Mas enfim, não se preocupe com isso. Você não vai precisar depor. Eu vou resolver isso. Amanhã tudo estará em ordem novamente.
– Mesmo? Obrigado.
– Até logo, Adão.
Assim que Deus desligou o telefone, começou a pensar no que poderia fazer para resolver o problema. Dilúvio? Fora de questão, era muito cedo. Quebrou a cabeça algumas horas até chamar os anjos para Sua sala. Ordenou a eles que descessem até o Paraíso e organizassem um campeonato de futebol. Isso faria com que os animais se esquecessem de tudo. Sabia que não era a saída mais correta, mas estava sem alternativas.
Horas depois, durante a noite, desceu até o Paraíso e procurou pela serpente. Não demorou até que se encontraram aos pés de uma montanha. Trocaram um aceno de cabeça e ficaram em silêncio por alguns instantes, até que a serpente resolveu falar.
– Eu quase consegui dessa vez.
– Sim.
– Isso é para Você aprender que o mundo é mais complexo que mexer ou não na maçã. Especialmente quando se trata de política.
– Eu sei. É por isso eu sou a favor do estado laico. Quero distância desse assunto.
A serpente sorriu.
– Eu não. Na verdade, creio que encontrei minha verdadeira vocação. Você não pode negar que ter dividido o Paraíso em dois, com um grupo odiando o outro, foi um toque de gênio.
– Sim. Foi um belo truque.
– Quando um lado está ocupado odiando o outro, ninguém se pergunta quem está ganhando com tudo aquilo. Tudo o que importa é destruir o outro lado a qualquer custo. E nada é mais fácil de corromper uma pessoa que está disposta a tudo.
– Mesmo que ela ache que está fazendo o bem.
– Exato. Por isso que na próxima vez, vou conseguir.
– Próxima vez?
– Sim. Eu vou tentar de novo. Mas não agora. Esse homem que você criou ainda é honesto. Eu preciso esperar até achar o cenário ideal, um local que já esteja bagunçado e com dois grupos dispostos a tudo para conquistar o poder. Preciso apenas disso e de um cargo nessa sociedade.
– Um cargo?
– Sim, uma posição que me permita transitar entre esses dois grupos. Assim, tudo o que eu preciso é esperar um escândalo qualquer e usá-lo como fagulha. Divido o povo e começo a jogar dos dois lados, alimentando a cegueira e o ódio. Quando ninguém mais souber em quem acreditar, a fagulha se torna uma fogueira. E, no momento que os dois lados simplesmente pararem de falar a verdade, é porque a fogueira se transformou em um incêndio. E eu preciso apenas de um cargo para dar início ao processo. Fogo e mentiras sempre se espalham sozinhos.
– Mesmo nessa sociedade, algumas pessoas vão tentar acalmar os ânimos e unir as pessoas em nome do bem comum. Você sabe disso.
– Sim. Mas elas serão minoria. O bom senso pode ter palavras bonitas, mas ele apenas fala. O ódio, por outro lado, grita o tempo inteiro. E, na confusão, as pessoas costumam seguir os gritos.
Deus suspirou. Queria que a serpente estivesse errada. Ela percebeu e jogou sua última carta, sorrindo mais uma vez.
– Presidente da Câmara dos Deputados. Que tal? Soa bem, não acha?
Deus não respondeu. Apenas se despediu e desapareceu, voltando ao Seu escritório. Tinha muito trabalho para fazer.
Afinal, talvez apenas dez mandamentos não fossem suficientes."

(*)  Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.


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