Deus e o diabo na política
Por Luciano Martins Costa em 05/05/2014 na edição 796
Do Observatório da Imprensa
A análise das escolhas editoriais no fim de semana e na segunda-feira (5/4) traz
indícios de que os três principais jornais de circulação nacional – Folha de
S.Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo – estão afinando suas
estratégias para a cobertura das eleições presidenciais. O cruzamento das
notícias de política e economia, núcleo principal do sistema formador de
opinião, aponta para um processo de isolamento do grupo que ocupa o Palácio do
Planalto, mas até então não havia uma definição clara entre os dois potenciais
adversários da atual presidente da República.
As editorias de economia e negócios misturam dados reais com especulações
pessimistas para desenhar um cenário inquietante para a questão da energia, da
capacidade futura de investimento do país e a modernização da infraestrutura.
Nesse campo, predomina uma situação quase esquizofrênica, em que indicadores
conflitantes são ressaltados na mesma página do jornal, sem que se esclareça o
leitor sobre o significado desses números.
Por trás dessas escolhas, não há como fugir à evidência de que o destaque para
números negativos, enquanto os indicadores positivos são minimizados, tem uma
motivação política. Observe-se, por exemplo, o contraste demonstrado na
entrevista principal da coluna Mercado Aberto, da Folha de S.Paulo, na
edição de segunda-feira (5/5), e as principais notícias econômicas do jornal nos
últimos dias.
Nessa entrevista, o presidente brasileiro de um banco suíço afirma que, apesar
de nunca ter visto tamanho pessimismo de curto prazo entre empresários
brasileiros, a realidade mostra que o sentimento entre investidores
estrangeiros, em relação ao Brasil, é exatamente o inverso: nunca houve um
afluxo tão grande de capital externo na economia nacional como nos primeiros
meses deste ano.
A situação é a de uma esquizofrenia na qual o paciente, no caso a imprensa,
escolhe sempre a alternativa mais sombria.
Esse noticiário negativo tem uma direção muito clara, que pode ser constatada a
cada eco que os candidatos oposicionistas fazem às manchetes dos jornais. É como
se houvesse uma sintonia muito fina entre as decisões editoriais e os planos de
governo dos candidatos. O pessimismo com relação à economia nacional é um
fenômeno interno, produzido pela sucessão de notícias negativas que tem como
propósito claro o de demonizar a presidente da República.
Fazendo chacota
É certo que o governo federal tem sido pródigo em produzir celeumas, ao titubear
na condução de um projeto econômico supostamente vinculado à redução das
desigualdades e emitir sinais contraditórios sobre sua disposição de manter a
melhoria das condições sociais como meta da política econômica. O sistema de
alianças está claramente esgotado, e a conta da ineficiência, das trapalhadas e
do atraso nas decisões vai diretamente para a Presidência da República.
Os jornais ressaltam as fissuras produzidas pelo sistema partidário, criando a
pauta para os candidatos oposicionistas. Assim, o discurso eleitoral reforça o
pessimismo patrocinado pela imprensa, e o governo, orientado para a campanha,
permanece reativo, apenas na defensiva. O Globo e a Folha de
S.Paulo parecem se definir, colocando mais fichas em Aécio Neves, candidato
do PSDB, enquanto o Estado de S.Paulo ainda equilibra suas apostas entre
Neves e Eduardo Campos, do PSB.
Acontece que Campos precisa do patrimônio eleitoral de sua candidata a
vice-presidente, Marina Silva, apresentada como uma espécie de reserva moral do
campo político. Mas também a ex-ministra tem suas fragilidades: a coluna
de Monica Bergamo, na Folha, conta, por exemplo, uma deliciosa
história sobre a saída de Marina Silva do governo Lula.
Diz-se que ela foi ao gabinete presidencial acompanhada de um pastor e disse a
Lula que havia conversado com Deus e ele lhe havia dito que era hora de sair. O
então presidente pediu um tempo e, dias depois, respondeu que também havia
sonhado com Deus, e o Todo-Poderoso lhe havia afirmado que Marina deveria ficar
mais um pouco no ministério. Ela só deixou o governo muito depois, em maio de
2008.
Essa historinha pode ter um efeito devastador na candidatura de Eduardo Campos.
Exposta, assim, na primeira página, a fé religiosa de Marina vira motivo de
chacota e mostra para onde pende a preferência do jornal.
Se, para a imprensa, Dilma Rousseff é o demônio, a proximidade de Marina com o
divino pode ser o inferno para Eduardo Campos.
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