O que a Copa do Mundo de Clubes deixa para além das quatro linhas?, por Walter Moreira Dias
Por Walter Moreira Dias, no GGN: A Copa do Mundo de Clubes caminha para a realização das esperada final no próximo domingo (13/07). Chelsea e PSG se enfrentarão em busca do primeiro título do torneio recém criado pela FIFA. Para além do sucesso de audiência, das enormes discussões apaixonadas nas redes sociais e do enorme espaço criado para patrocinadores, convém pensar politicamente o que fica desta Copa para o campo progressista.
É fato que no neoliberalismo do século XXI, os ganhos das emissoras e organizadores do evento com foco total nos lucros; a massificação da publicidade, a contínua normalização dos anúncios de casas de apostas ditaram o tom. E é lógico, com o futebol como produto, se cristaliza a noção dele como somente entretenimento.
Apesar de diversos jogos da primeira fase terem um público local bastante reduzido, o resultado final da nova competição da FIFA é um estrondoso sucesso. De qualidade esportiva. De audiência. De publicidade. De lucros.
É o paraíso para os patrocinadores. Placas de publicidade digitais e transitórias; logos de marcas fixas ao lado do placar por longos períodos; reduções de tela para projetar comerciais durante o tempo regulamentar do jogo. Além, é claro, das atuais marcas nas camisas e a tradicional regra para que não as tire após os gols. Ou seja, cartões amarelos "patrocinados" pelos anunciantes.
Como então disputar o imaginário de torcedores e espectadores? É possível ter vozes dissonantes neste cenário?
Podemos ousar listar alguns pontos relevantes para a reflexão de uma outra cultura futebolística.
Ao menos, a Copa do mundo de Clubes serviu para tirar o pedestal de superioridade irrestrita e indiscutível que times europeus possuíam frente aos demais. O rendimento de clubes americanos, asiáticos e africanos surpreendeu o senso comum que vinha se construindo nas décadas recentes. Apesar do desnível financeiro, as vitórias inesperadas e alguns jogos equilibrados ajudaram a criar fissuras no eurocentrismo da bola.
Assim como a própria longevidade do Fluminense na competição que ajudou a chacoalhar outro lugar comum dos debates futebolísticos no Brasil: a ideia de que qualquer treinador europeu é superior aos técnicos brasileiros. Nos anos recentes vimos diversos clubes brasileiros contratando estrangeiros para dirigir os times apenas por serem estrangeiros.
Apesar de ter sido na figura de um bolsonarista convicto, Renato Gaúcho, a campanha do Fluminense simbolicamente contribui para diminuir o menos prezo aos técnicos brasileiros.
E ainda tivemos o goleador palestino do Ah-Ahly, Abou Ali, que nos fez lembrar do genocídio israelense apenas por sua identidade. Nascido na Dinamarca, com pai imigrante palestino, chegou a postar uma mensagem em sua rede social pouco antes da chegada aos EUA para a Copa: "Free Palestine". Para os que preservaram sua sensibilidade e empatia, a mídia ao retratar o "artilheiro palestino" já remete à memória do sofrimento de toda aquela nação. Para os que já deixaram o ódio tomar conta, é uma lembrança de que o país, a nação e os palestinos existem, vão continuar existindo e não serão varridos do mapa.
Por fim, podemos também lembrar da flecha de Oxóssi por meio do Paulinho, que apesar de lesionado, conseguiu ser decisivo nas oitavas de final para o Palmeiras. Ele é um ícone de luta contra a intolerância religiosa e contra o racismo. Na cultura iorubá a flecha combate a miséria e a fome. Paulinho, com seu orixá, consegue, inclusive, combater males para além destes.
É pouco? Com certeza.
Frente aos bilhões que o jogo movimenta, entre casas de apostas, multinacionais e petrodólares, é muito pouco. Mas não podemos deixar de lado o esporte para conservadores, meritocratas, fanáticos religiosos e neoliberais.
Urge nascer uma contracultura futebolística no Brasil. Conseguimos contar nos dedos os jogadores, técnicos, executivos e comentaristas que externam posições do campo da esquerda. Ao contrário, é bem comum encontrarmos falas conservadoras de personagens do mundo da bola.
Seria demais ter esperança em um clube de futebol aderir, por exemplo, à pauta contra a escala 6 x 1? Reduzir a carga horária de seus funcionários administrativos para 40h, com duas folgas semanais e sem redução de salário? Clubes, inclusive os que tem donos bilionários, serem a favor da taxação maior de grandes fortunas para subsidiar a redução da carga tributária dos mais pobres? Jogadores e técnicos participarem de atos públicos por pautas de esquerda?
Uma contracultura no futebol. Para não o ver apenas como entretenimento. Ainda dá. Estamos perdendo, mas a bola ainda está em jogo.
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