A pá de cal no julgamento do mensalão
"O artigo de dois jovens e brilhantes estudiosos de Direito, alunos do ilustre
Claus Roxin, publicado na Folha
hoje, demole completamente a condenação de José Dirceu, visto que esta foi
inteiramente baseada da teoria do domínio do fato, desde a acusação da
Procuradoria, passando por Joaquim Barbosa, até o voto da maioria dos ministros,
com ênfase especial em Gilmar Mendes.
Publico abaixo, um comentário de Luis Nassif sobre as repercussões deste artigo,
o qual também reproduzo, ao final.
A tarefa mais difícil agora será desintoxicar uma opinião pública envenenada por
sete anos de mentiras, sensacionalismo e manipulação. As pessoas tomaram
decisões pessoais e políticas baseadas em informações falsas, e agora se
recusarão a admitir, até para si mesmas, que se deixaram enganar por tanto
tempo.
Mas só a verdade nos oferece um horizonte de justiça e liberdade. Uma decisão
judicial viciada, sob pressão da mídia, jamais será “ética”, nem trará qualquer
mudança positiva aos costumes políticos no país.
Agora é importante que a comunidade jurídica nacional perca o medo da mídia e
encare de frente essa gigantesca farsa que foi a Ação Penal 470.
Ministros do STF agiram com má fé no uso do domínio do fato
Enviado por luisnassif, sex, 18/10/2013 – 16:40
Por Luis Nassif, no Jornal
GGN.
Luis Greco, 35, e Alaor Leite, 26, apresentados na Folha como “doutor e
doutorando, respectivamente, em direito pela Universidade de Munique (Alemanha),
sob orientação de Claus Roxin, traduziram várias de suas obras para o português”
escreveram o artigo “Fatos e mitos sobre a teoria do domínio do fato”.
Nele, liquidam com a versão da teoria engendrada pelo Ministro Gilmar Mendes, do
STF (Supremo Tribunal Federal).
O artigo é duro: “Desde o julgamento do mensalão, não há quem não tenha ouvido
falar na teoria do domínio do fato. Muito do que se diz, contudo, não é
verdadeiro. Nem os seus adeptos, como alguns ministros do Supremo Tribunal
Federal, nem os que a criticam, como mais recentemente o jurista Ives Gandra da
Silva Martins, parecem dominar o domínio do fato.
Talvez porque falte o óbvio: ler a fonte, em especial os escritos do maior
arquiteto da teoria, o professor alemão Claus Roxin. Mesmo os técnicos tropeçam
em mal-entendidos, de modo que o público merece alguns esclarecimentos”.
A explicação sobre a teoria é radicalmente oposta à que foi vendida ao público
pelos Ministros do Supremo. Pelo STF, o “domínio do fato” visaria alcançar
mandantes de crimes cuja culpabilidade não pode ser levantada por provas. Seriam
culpados meramente diante da presunção de que, sendo chefes, os crimes não
poderiam ter passado ao largo deles.
Os autores mostram como a lei brasileira trata as autorias: “O Código Penal
brasileiro (art. 29 caput), embora possa ser compatibilizado com a teoria do
domínio do fato, inclina-se para uma teoria que nem sequer distingue autor de
partícipe: todos que concorrem para o crime são, simplesmente, autores”.
A verdadeira teoria do dominio do fato diz exatamente o contrário: “Para o
domínio do fato, porém, o autor, além de concorrer para o fato, tem de
dominá-lo; quem concorre, sem dominar, nunca é autor. Matar é atirar; emprestar
a arma é participar no ato alheio de matar. Na prática: a teoria do domínio do
fato não condena quem, sem ela, seria absolvido; ela não facilita, e sim
dificulta condenações. Sempre que for possível condenar alguém com a teoria do
domínio do fato, será possível condenar sem ela”.
Quando esteve no Brasil, Roxin deu entrevista rebatendo as interpretações dadas
pelo Supremo. De volta à Alemanha foi alvo de terrorismo por parte dos alunos,
possivelmente insuflados por algum Ministro do STF que domina o alemão.
Insinuaram que ele estaria sob suspeita de vender pareceres para réus. Sem
familiariedade com o vale tudo de alguns Ministros do STF acumpliciados com a
mídia, Roxin mandou desmentidos débeis.
Agora, seus alunos e tradutores trazem os fatos. E escandalizam-se com o uso da
presunção de culpa: “A teoria do domínio do fato não é teoria processual: ela
nem dispensa a prova da culpa, nem autoriza que se condene com base em presunção
–ao contrário do que se lê no voto da ministra Rosa Weber, que fala em uma
“presunção relativa de autoria dos dirigentes”.
Por piedade, evitaram mencionar o Ministro Luiz Fux que chegou ao cúmulo de
afirmar que cabia aos réus demonstrar sua inocência.
Não se trata de uma disputa de interpretação entre Gilmar e companheiros e
Roxin: trata-se de entender as teses que Roxin desenvolveu. Fica claro que houve
uma mistificação, na qual entraram vários Ministros do Supremo. E o dolo é tanto
maior quando maior foi o descaso com que receberam as explicações de Roxin.
Como é possível que um episódio dessa amplitude tenha contaminado a maioria dos
Ministros do mais alto tribunal brasileiro? Onde estava o desconhecimento, onde
a malícia?
Durante meses, a defesa da Constituição esteve nas mãos solitárias de Ricardo
Lewandowski, único defensor da legalidade. Lewandowski foi duro nas sentenças,
insurgiu-se contra um percentual pequeno das condenações. Mas com sua posição,
consolidou uma trincheira de dignidade, mais tarde reconhecida. Não se tratava
de condenar ou absolver, mas de não manipular a lei.
Agora, gradativamente o mundo jurídico retorna ao leito da legalidade. Juristas
conservadores, como Ives Gandra e Cláudio Lembo se uniram às vozes dos que se
indignaram com os abusos. A reação do mundo jurídico provocou até a reviravolta
oportuna de Celso de Mello, épico ao atropelar a lei e promover o linchamento,
e, quando a poeira baixou, épico ao refugar o linchamento. É um amante das
epopeias.
Luis Roberto Barroso e Teori Zavaski vieram se juntar a Lewandowski, na
recomposição da dignidade perdida do STF. O Ministério Público Federal está em
mãos responsáveis.
Mas a verdadeira história ainda está para ser contada.
Fatos e mitos sobre a teoria do domínio do fato
POR LUIS GRECO E ALAOR LEITE, NA
FOLHA
A teoria não condena quem, sem ela, seria absolvido. Não dispensa a prova da
culpa nem autoriza que se condene com base em presunção
Desde o julgamento do mensalão, não há quem não tenha ouvido falar na teoria do
domínio do fato. Muito do que se diz, contudo, não é verdadeiro.
Nem os seus adeptos, como alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, nem os
que a criticam, como mais recentemente o jurista Ives Gandra da Silva Martins,
parecem dominar o domínio do fato.
Talvez porque falte o óbvio: ler a fonte, em especial os escritos do maior
arquiteto da teoria, o professor alemão Claus Roxin. Mesmo os técnicos tropeçam
em mal-entendidos, de modo que o público merece alguns esclarecimentos.
Primeiro, um fato. Simplificando (vide nosso estudo “O que é e o que não é a
teoria do domínio do fato”, RT 933, 2013, p. 61-92), a teoria do domínio do fato
define quem é o autor de um crime, em contraposição ao mero partícipe. O autor
responde por fato próprio, sua responsabilidade é originária. Já o partícipe
responde por concorrer em fato alheio –sua responsabilidade é, nesse sentido,
derivada ou acessória.
O Código Penal brasileiro (art. 29 caput), embora possa ser compatibilizado com
a teoria do domínio do fato, inclina-se para uma teoria que nem sequer distingue
autor de partícipe: todos que concorrem para o crime são, simplesmente, autores.
A teoria tradicional diz que fatos alheios também são próprios; emprestar a arma
é matar.
Para o domínio do fato, porém, o autor, além de concorrer para o fato, tem de
dominá-lo; quem concorre, sem dominar, nunca é autor. Matar é atirar; emprestar
a arma é participar no ato alheio de matar.
Na prática: a teoria do domínio do fato não condena quem, sem ela, seria
absolvido; ela não facilita, e sim dificulta condenações. Sempre que for
possível condenar alguém com a teoria do domínio do fato, será possível condenar
sem ela.
Passemos aos mitos. A teoria não serve para responsabilizar um sujeito apenas
pela posição que ele ocupa. No direito penal, só se responde por ação ou por
omissão, nunca por mera posição.
O dono da padaria, só pelo fato de sê-lo, não responde pelo estupro cometido
pelo funcionário; ele não domina esse fato –noutras palavras, ele não estupra,
só por ser dono da padaria.
Parece, contudo, que, em alguns dos votos de ministros do STF, o termo “domínio
do fato” foi usado no sentido de uma responsabilidade pela posição. Isso é
errôneo: o chefe deve ser punido, não pela posição de chefe, mas pela ação de
comandar ou pela omissão de impedir; e essa punição pode ocorrer tanto por fato
próprio, isto é, como autor, quanto por contribuição em fato alheio, como
partícipe.
A teoria do domínio do fato não é teoria processual: ela nem dispensa a prova da
culpa, nem autoriza que se condene com base em presunção –ao contrário do que se
lê no voto da ministra Rosa Weber, que fala em uma “presunção relativa de
autoria dos dirigentes”, e na entrevista de Ives Gandra.
Sem provas, ou em dúvida, absolve-se o acusado, com ou sem teoria do domínio do
fato.
A teoria tampouco tem como protótipos situações de exceção, como uma ordem de
Hitler. Isso é apenas uma parte da teoria, talvez a mais famosa, certamente a
mais controvertida, mas não a mais importante.
Um derradeiro fato. A teoria do domínio do fato não pode ter sido a responsável
pela condenação deste ou daquele réu. Se foi aplicada corretamente, ela terá
punido menos, e não mais do que com base na leitura tradicional de nosso Código
Penal. Se foi aplicada incorretamente, as condenações não se fundaram nela, mas
em teses que lhe usurparam o nome.
Não se deve temer a teoria, corretamente compreendida e aplicada, e sim aquilo
que, na melhor das hipóteses, é diletantismo e, na pior, verdadeiro embuste."
LUIS GRECO, 35, e ALAOR LEITE, 26, doutor e doutorando, respectivamente, em
direito pela Universidade de Munique (Alemanha), sob orientação de Claus Roxin,
traduziram várias de suas obras para o português
Imagem: reprodução/ créditos: http://zedassilva.blog.uol.com.br/

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