segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível. Por Ricardo Lewandowski

www.seuguara.com.br/Ricardo Lewandowski/ministro/STF/
Texto publicado originalmente na edição deste domingo (29) do jornal Folha de S.Paulo, por Ricardo Lewandowski*: Na Roma antiga existia uma lei segundo a qual nenhum general poderia atravessar, acompanhado das respectiva tropas, o rio Rubicão, que demarcava ao norte a fronteira com a província da Gália, hoje correspondente aos territórios da França, Bélgica, Suíça e partes da Alemanha e da Itália.
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Em 49 a.C., o general romano Júlio César, após derrotar uma encarniçada rebelião de tribos gaulesas chefiadas pelo lendário guerreiro Vercingetórix, ao término de demorada campanha transpôs o referido curso d'água à frente das legiões que comandava, pronunciando a célebre frase: "A sorte está lançada".


A ousadia do gesto pegou seus concidadãos de surpresa, permitindo que Júlio César empalmasse o poder político, instaurando uma ditadura. Cerca de cinco anos depois, foi assassinado a punhaladas por adversários políticos, dentre os quais seu filho adotivo Marco Júnio Bruto, numa cena imortalizada pelo dramaturgo inglês William Shakespeare.


O episódio revela, com exemplar didatismo, que as distintas civilizações sempre adotaram, com maior ou menor sucesso, regras preventivas para impedir a usurpação do poder legítimo pela força, apontando para as severas consequências às quais se sujeitam os transgressores.


No Brasil, como reação ao regime autoritário instalado no passado ainda próximo, a Constituição de 1988 estabeleceu, no capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais, que "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático".


O projeto de lei há pouco aprovado pelo Parlamento brasileiro, que revogou a Lei de Segurança Nacional, desdobrou esse crime em vários delitos autônomos, inserindo-os no Código Penal, com destaque para a conduta de subverter as instituições vigentes, "impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais". Outro comportamento delituoso corresponde ao golpe de Estado, caracterizando como "tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído". Ambos os ilícitos são sancionados com penas severas, agravadas se houver o emprego da violência.


No plano externo, o Tratado de Roma, ao qual o Brasil recentemente aderiu e que criou o Tribunal Penal Internacional, tipificou como crime contra a humanidade, submetido à sua jurisdição, o "ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil", mediante a prática de homicídio, tortura, prisão, desparecimento forçado ou "outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afete gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental". 


E aqui cumpre registrar que não constitui excludente de culpabilidade a eventual convocação das Forças Armadas e tropas auxiliares, com fundamento no artigo 142 da Lei Maior, para a "defesa da lei e da ordem", quando realizada fora das hipóteses legais, cuja configuração, aliás, pode ser apreciada em momento posterior pelos órgãos competentes.


A propósito, o Código Penal Militar estabelece, no artigo 38, parágrafo 2º, que "se a ordem do superior tem por objetivo a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior".


Esse mesmo entendimento foi incorporado ao direito internacional, a partir dos julgamentos realizados pelo tribunal de Nuremberg, instituído em 1945, para julgar criminosos de guerra. Como se vê, pode ser alto o preço a pagar por aqueles que se dispõem a transpassar o Rubicão. 


*Ricardo Lewandowski é ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular de Teoria do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo


VIA

Imagem: reprodução/Foto: Nelson Jr/SCO/STF  


[Com risco de motim, corregedoria vai tentar impedir presença ilegal de PMs em ato pró-Bolsonaro: "Uma operação da Corregedoria da Policia Militar de São Paulo (PM-SP) tentará coibir a presença ilegal de policiais militares fardados ou armados na manifestação pró-governo Jair Bolsonaro (sem partido) no dia 7 de setembro na avenida Paulista."

(...)

"Embora proibida pelo Regulamento Disciplinar da PM paulista, deputados alinhados a Bolsonaro defendem a presença de policiais na manifestação. Entre eles estão Coronel Tadeu (PSL) e Major Mecca (PSL), oficiais da reserva da corporação de São Paulo.

A Associação Nacional dos Militares Estaduais do Brasil (Amebrasil) divulgou nota afirmando que as PMs seguirão o Exército no caso de "defesa interna ou ruptura institucional (estado de sítio ou de defesa)"]

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