Jair na ONU. A vergonha nossa de cada dia, por Eliara Santana
Havia, por parte de analistas, a expectativa de que o presidente iria "recuar", adotar um tom, "moderado". Jair não recuou. Ele manteve e defendeu as suas pautas, não recuou em nada: negacionismo, pauta moral, falácias econômicas, tudo igual, manteve um tom de fascista moderado, acomodado. Mas facista.
Mentiu descaradamente. O discurso é acinte do começo ao fim.
Serve ao ilusionismo de sua base, claro, mas expões a fragilidade do governo brasileiro porque foi absolutamente inócuo na ONU. Não disse nada. Não apresentou nada. Não pautou as questões que interessa. Enfim, o país mantido na lata do lixo da geopolítica.
Vou "dividir" o discurso em alguns tópicos principais para compreendermos o eixo geral bolsonarista:
Brasil "diferente"
Jair abriu o discurso falando que queria mostrar um "Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões". Marcou então o embate com a mídia, bem ao estilo Trump e Bannon.
Então, passamos a ouvir uma sucessão de mentiras e clichês, além de absurdos delirantes. Jair é mentiroso contumaz, isso já é bastante evidente, então, não há que se esperar nada diferente. E se alguns comentaristas apostavam em "recuo", "moderação", o que vimos foi apenas um fascista moderado, um pouquinho contido, fingindo ser democrata.
Além disso, ele trouxe no discurso ações comezinhas, corriqueiras, cotidianas da vida econômica e administrativa nacional quando, numa Assembleia Geral da ONU, deveria colocar o Brasil no cenário geopolítico, pautar uma discussão macro, pautar temas.
Para dezenas de chefes de Estado do mundo, ele fala:
"Apresento agora um novo Brasil com sua credibilidade já recuperada. O Brasil possui o maior programa de parceria de investimentos com a iniciativa privada de sua história. Programa que já é uma realidade e está em franca execução. Até aqui, foram contratados US$ 100 bilhões de novos investimentos e arrecadados US$ 23 bilhões em outorgas. Na área de infraestrutura, leiloamos, para a iniciativa privada, 34 aeroportos e 29 terminais portuários. Já são mais de US$ 6 bilhões em contratos privados para novas ferrovias. Introduzimos o sistema de autorizações ferroviárias, o que aproxima nosso modelo ao americano. Em poucos dias, recebemos 14 requerimentos de autorizações para novas ferrovias com quase US$ 15 bilhões de investimentos privados. Em nosso governo promovemos o ressurgimento do modal ferroviário".
Claro, o Brasil "diferente" que ele quis apresentar é repleto de mentiras: "Como reflexo, menor consumo de combustíveis fósseis e redução do custo Brasil, em especial no barateamento da produção de alimentos. Grande avanço vem acontecendo na área do saneamento básico. O maior leilão da história no setor foi realizado em abril, com concessão ao setor privado dos serviços de distribuição de água e esgoto no Rio de Janeiro".
Onde vemos avanço no saneamento no Brasil?
Prossegue: "O Brasil já é um exemplo na geração de energia com 83% advinda de fontes renováveis".
O apagão está batendo à nossa porta, não houve investimento em fontes renováveis, há crise hídrica e nada foi feito, e os brasileiros ficam com a luz apagada o máximo que podem para economizar na conta de luz. Onde está isso que Jair vocifera?
E do alto de sua cretinice, se expressou com veemência: "QUAL PAÍS DO MUNDO TEM UMA POLÍTICA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL COMO A NOSSA? Os senhores estão convidados a visitar a nossa Amazônia!".
O país decepa a Amazônia, o Pantanal, o cerrado; há garimpo ilegal, exploração de grileiros, queimadas criminosas, e nada é feito. O governo é cúmplice da destruição.
Prossegue Jair, sem pudor: "O futuro do emprego verde está no Brasil: energia renovável, agricultura sustentável, indústria de baixa emissão, saneamento básico, tratamento de resíduos e turismo".
E também teve a cara de pau de dizer que a economia vai bem, que o Brasil tem um dos melhores desempenhos entre os emergentes. MENTIRA! A economia brasileira vai muito mal, mesmo entre os emergentes. Nossa economia encolheu, está encolhendo, vivemos sob o fantasma da estagflação. E o PIB está caindo. A previsão do FMI para o ano que vem não é boa.
Ele também mencionou a corrupção, claro, mentindo: "Estamos há 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de corrupção". Quando ele é denunciado na CPI da Covid e os filhos são denunciados nos esquemas de rachadinha?
E da caixinha de ilusionismo ele retira pérolas da falta de sentido, para manter acesa a chama do medo do comunismo e ocultar os problemas graves:
"Nossas estatais davam prejuízos de bilhões de dólares, hoje são lucrativas. Nosso Banco de Desenvolvimento era usado para financiar obras em países comunistas, sem garantias. Quem honra esses compromissos é o próprio povo brasileiro. Tudo isso mudou. Apresento agora um novo Brasil com sua credibilidade já recuperada".
Falar em credibilidade quando o Brasil vive momento de fuga de capital estrangeiro é de foto interessante.
Pauta Moral
Ele deixou clara qual é a base de seu governo e o que move sues apoiadores, uma pauta moral enviesada e absolutamente conservadora. Bolsonaro disse que "o Brasil tem um presidente que acredita em Deus, respeita a Constituição e seus militares, valoriza a família e deve lealdade a seu povo. Isso é muito, é uma sólida base, se levarmos em conta que estávamos à beira do socialismo".
A declaração de "à beira do socialismo", por mais ridícula que possa parecer, e é, serve bem à falácia moralista do discurso que anima a base dele. É uma construção simbólica de peso, bastante presente nas discussões dos grupos de apoio. É um elemento importante do discurso dele, desde sempre.
Segundo Jair, "temos a família tradicional como fundamento da civilização. E a liberdade do ser humano só se completa com a liberdade de culto e expressão".
Negacionismo e ataque a governadores
Defendeu abertamente na ONU o tal tratamento precoce. Sem pudor. Falou que quase 90% da população recebeu a primeira dose, o que é mentira, pois o percentual é de 66,62%, ou pouco mais de 142 milhões de pessoas (dados do Consórcio de Veículos de Imprensa em 20-09).
E atacou governadores. Bolsonaro manteve a mesma falácia - criticada, aliás, pelo documento da Unesco sobre desinfodemia - que mantém desde o início da pandemia: combate à pandemia X combate desemprego, culpando os governadores que adotaram as medidas de distanciamento social, quem adotaram algo próximo do lockdown.
"Sempre defendi combater o vírus e o desemprego de forma simultânea e com a mesma responsabilidade. As medidas de isolamento e lockdown deixaram um legado de inflação, em especial, nos gêneros alimentícios no mundo todo. No Brasil, para atender aqueles mais humildes, obrigados a ficar em casa por decisão de governadores e prefeitos e que perderam sua renda, concedemos um auxílio emergencial de US$ 800 para 68 milhões de pessoas em 2020".
É absurdo que após quase dois anos de pandemia, Bolsonaro faça essa ligação, jogando a culpa da política econômica desastrosa na conta da pandemia, como se a inflação fosse resultado das medidas de distanciamento e isolamento. E acusando prefeitos e governadores.
O negacionismo ficou explícito, e ele não teve o menor pudor em reafirmar, colocando-se inclusive como quem fez uso de cloroquina:
"Apoiamos a vacinação, contudo o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina. Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina. Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial. Respeitamos a relação médico-paciente na decisão da medicação a ser utilizada e no seus uso off-label. Não entendemos porque muitos países, juntamente com a grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial. A história e a ciência saberão responsabilizar a todos".
A única coisa positiva foi o fato de ele ter jogado a conta do tratamento precoce também no colo do Conselho Federal de Medicina.
Balcão de negócios
Ao melhor estilo propaganda da Ricardo Eletro, Bolsonaro tentou convencer os outros países de que o Brasil está ótimo para investimentos. Numa propaganda tosca, afirmou: "Temos tudo o que investidor procura - um grande mercado consumidor, excelentes ativos, tradição de respeito a contratos e confiança no nosso governo".
No encerramento, ainda reforçou a ideia: "Meu governo recuperou a credibilidade externa e, hoje, se apresenta como um dos melhores destinos para investimentos".
Lastimável.
Defesa do Agronegócio e da exploração das terra indígenas
Jair fez uma defesa dos setor, só não falou do marco temporal. Segundo ele, "nossa moderna e sustentável agricultura de baixo carbono alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e utiliza apenas 8% do território nacional".
Sobre os povos indígenas, ele disse: "14% do território nacional, ou seja, mais de 110 milhões de hectares, uma área equivalente a Alemanha e França juntas, é destinada às reservas indígenas. Nessas regiões, 600.000 índios vivem em liberdade e cada vez mais desejam utilizar sua terras para a agricultura e outras atividades".
Que outras atividades? Garimpo nas terras indígenas? Os povos indígenas querem utilizar as terras para a agricultura nos moldes do agronegócio?
Defesa dos atos de 7 de setembro
Sem pudor nenhum, Jair se referiu aos atos golpistas de 7 de setembro, mobilizados por insultos e ameaças ao STF, como atos democráticos:
"No último 7 de setembro, data de nossa Independência, milhões de brasileiros, de forma pacífica e patriótica, forma às ruas, na maior manifestação de nossa história, mostrar que não abrem mão da democracia, das liberdades individuais e de apoio ao nosso governo".
E ainda mente ao dizer que foi a maior manifestação da história.
Enfim, dizer que Jair mentiu todo o discurso é redundante. Ele chego ao poder a partir de várias grandes mentiras, toda aceita e encobertas pelos grupos de poder. Portanto, ele se sente autorizado a mentir na ONU. E a afundar o Brasil ainda mais.
Imagem: reprodução/redes sociais
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