terça-feira, 3 de março de 2020

O bolsonarismo é incompatível com a ética maçônica. Por Leandro Minozzo

Por Leandro Minozzo* - Apesar de ser uma organização discreta, a aproximação de políticos da extrema-direita com a Maçonaria brasileira tem chamado atenção. Eventos dentro de lojas, manifestações oficiais de entidades ligadas à ordem e o uso de símbolos por grupos radicais tornaram-se comuns.

Há até mesmo fake news pró-radicalismo usando a maçonaria como entidade legitimadora de virtude e moral. Por tudo isso e pela total falta de crítica a fatos graves mais recentes consolidou-se na opinião pública uma adesão da ordem ao estado das coisas atual. E isso não é a verdade - há sim, contestação. Peço a palavra porque uma manifestação de princípios e do que está escrito sobre a ética maçônica se faz necessária. Poderia usar filosofia, mas ética diz respeito a "cuidado" e acredito que é esse um elemento importante para nos situarmos. Cuidar fala de virtudes e de necessidades humanas - e é por aí que o ideal de espírito maçom caminha.

Mesmo com restrição dos debates partidários dentro das lojas, é natural que existam maçons de direita, de esquerda, de centro e até aqueles que não se posicionam. O que causa desconforto é o alinhamento de número significativo de maçons ao que podemos chamar de bolsonarismo, ou à tendência política caracterizada pela idolatria, pelo conflito permanente, apologia à violência, pelo conservadorismo radical e sectário e pelo apoio incondicional às medidas neoliberais (de patriotismo questionável). Na última semana, com a afronta ao republicanismo feita na ameaça contra o STF e o Congresso Nacional, essa incompatibilidade entre os valores e as manifestações do bolsonarismo em relação aos da maçonaria tornou-se ainda mais forte.

Não são poucos os pontos de divergência das duas éticas, na da construção social que valoriza a humanidade e na outra que prega e aposta firme no sectarismo e em símbolos de violência. Esses pontos vão muito além dos conhecidos fins que perseguimos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade - ou mesmo nas virtudes esperança e caridade. Há princípios pelos quais Todos os maçons devem basear suas vidas e, em quase sua totalidade, eles se confrontam diametralmente com o bolsonarismo. Lutar contra o sectarismo político, religioso e racial e contra o obscurantismo e a tirania, por exemplo, são princípios, são imperativos morais básicos de um irmão aprendiz ou mestre. A sabedoria almejada pelo maçom o serve para fazê-lo livre, justamente por ser torná-lo capaz de superar suas paixões, o medo e a manipulação de qualquer forma. 

O Estado laico e democrático é uma conquista e um símbolo extremo de liberdade, de respeito ao próximo e de promoção do diálogo fraterno - valorizados sempre pela ordem. Nas lojas, há também forte restrição quanto a debates de cunho, vejam só, religioso, tamanho é o cuidado com a liberdade, com a igualdade. Tem-se um cuidado extremo com o respeito ao próximo, tal qual nos diz a regra de ouro. 

Na sua definição, a maçonaria é uma instituição filantrópica, educativa e progressista, e sendo assim, com foco em humanidades (porque filantrópica não é só ajudar os necessitados, mas é gostar do ser humano!). Há nela o estudo da filosofia grega e das obras de grandes seres humanos, que deixaram exemplos transcendentais. Há também a valorização da ciências, das artes e da educação. O progresso é o exercício de responsabilidade com o futuro, com a tolerância, com o aprimoramento pessoal e da da sociedade - e ele só é alcançado com base nas virtudes e nos princípios que estão muito bem escritos. O Deus onipresente traz, a cada nascer do sol, a beleza do renascimento e da universalidade para que tentemos construir um mundo melhor para todos, mais justo.

A busca pela Verdade constituí outro ponto chave na ética maçônica. Ela se dá através do autoconhecimento, da relação com Deus e com o emprego frequente das ciências. A busca Verdade valoriza a inteligência, a discussão rica em argumentos e visa a evolução. E como fica essa busca na era do WhatsApp manipulado por empresários? Num tempo de notícias falsas, da manipulação de fatos históricos e de mentiras contadas em diversos meios, indo até contra dados científicos estabelecidos como a forma da Terra, o bolsonarismo, baseado nos ensinamentos do assumido guru Olavo de Carvalho, ameaça o trabalho de construção individual do maçom e de seu objetivo de ser útil para a sua comunidade. Um mentor como Olavo de Carvalho tem que direito de indicar cargos em alto escalão para guiar a Pátria? O que ele e sua verve podem edificar de virtudes para os filhos do Brasil?

A ética do maçom jamais permitiria que se debochasse do desempregado ou favorecesse a exploração do homem. Muitos maçons são servidores públicos e sofrem ao serem chamados de parasitas. Por outro lado, a defesa dos direitos trabalhistas, o combate ao trabalho escravo e a busca pela oportunidade de ocupação digna para todos são bandeiras da Maçonaria.

A ordem se vangloria em ter participado de momentos históricos relevantes como a Revolução Americana e a Revolução Francesa. O republicanismo é marca forte na Maçonaria, assim como o respeito firme à leis, à Constituição. A instalação da República no Brasil também teve forte atuação maçônica e remonta a coragem de Tiradentes até as mãos de Ruy Barbosa.

No Rio Grande do Sul, adotamos os símbolos maçônicos da Revolução Farroupilha no vermelho da bandeira, no brasão e nas homenagens ao maçom Bento Gonçalves. E o que os farrapos criaram para contrapor a injusta tirania imperial? Uma república.

São diversos os argumentos, afinal, que expõem essa incompatibilidade. Questiono: como é possível resgatar esses fatos históricos ao mesmo tempo em que se alinha à ameaça à república e à democracia? 

Como se vangloriar de fatos históricos, da busca pela elevação de espírito, do conhecimento dos princípios e se deixar ir na direção oposta?  

Maçons devem propagar sua doutrina pelo exemplo, por suas palavras e postura, não pelas posses ou posições de poder.

Maçonaria "raiz" e o bolsonarismo não combinam e jamais combinarão. São incompatíveis. 

*Leandro Minozzo é professor universitário, mestre em educação e escritor
Fonte: 247
Imagem: reprodução

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