terça-feira, 1 de abril de 2025

1ª de abril de 1964, o verdadeiro golpe, por Luiz Alberto Melchert

Por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva, no GGN: Eu tinha oito anos e estava no 2º primário. Aquele 1º de abril era um dia nublado com temperatura amena, tendendo para o fresco, como era típico em São Paulo dos anos 1960, quando o aquecimento global ainda não nos tinha atingido em cheio. Acordamos, como sempre, às seis horas para ir à escola. Como éramos sete, quatro em idade escolar, já fazíamos fila para tomar banho. Primeiro as meninas e os meninos em seguida.

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Naquele dia, no entanto, não pusemos o uniforme do Colégio Assis Pacheco, de que tenho as piores lembranças. Nosso pai não passou Gumex nos nossos cabelos, nem fez o topete que nos deixava iguais a todos os colegas, como se o penteado fizesse parte do uniforme. Pusemos as roupas de ficar em casa. No café da manhã, observamos que nosso pai não estava com o indefectível terno. Foi quando minha mãe disse que estávamos em Estado de sítio e que ficaríamos em casa por ordem dos militares.


Perguntei a ela: "Se estamos num sítio, por que continuamos na cidade?" Ela explicou que não era um sítio, mas um estado de sítio. Lembro-me bem que meu irão, dois anos mais velho, questionou se estávamos ou não no estado de São Paulo. Honestamente, não lembro de ter dado importância a qualquer explicação mais profunda. Estava mais preocupado em ir brincar no quintal.

Obviamente, não correlacionamos aquele bem-vindo feriado com uma passeata que minha mãe assistiu pela televisão. Era um bando de mulheres bem vestidas andando por uma avenida de cujo nome não tínhamos a menor ideia. Só sei que não assisti desenho algum naquela tarde.


Para nós, aquele 1º de abril não fez diferença alguma. No dia seguinte voltamos às aulas. Hoje entendo que os militares, orientados pelos seus mentores americanos, foram extremamente hábeis no desviar da atenção do povo. Era o auge do Iê-iê-iê, com a Jovem Guarda tornando esperadas as tardes de domingo, com o programa do Roberto Carlos estrategicamente fixado para depois do jogo de futebol e do seriado estadunidense "Perdidos no Espaço". 

Claro que se tratou de um sucesso advindo também do talento dos dirigentes da TV Record, mas, por se ter baseado em traduções de canções americanas como "Calhambeque" com Roberto Carlos ou "Biquini Amarelinho" com Rony Cord (cognome de Ronaldo Cordovil), já se demostrava sermos compelidos a nos americanizar. 

A exemplo do que se via nos filmes, em que hordas de fãs aglomeravam-se em frente aos teatros e canais de televisão, o fenômeno repetiu-se aqui com intensidade inaudita para um país que se estava urbanizando aceleradamente. Cabe lembrar que São Paulo tinha ao redor de 1,5 milhão de habitantes e que só viria a alcançar o Rio de Janeiro em 1968, quando atingiu os três milhões de moradores. 


O softpower forjou os idosos de hoje que pintam de cor-de-rosa os anos que se tornaram de chumbo logo a seguir. Costuma-se falar dos movimentos revolucionários, anti-imperialistas que se perderam na Serra dos Órgãos, da guerra entre o Mackenzie e a FFLCH na Rua Maria Antônia, do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) invadindo o Teatro Oficina durante a apresentação da peça Roda Viva, mas não se fala de como se forjou uma geração de americanófilos. 


Não se fala que foi por aquele tempo que as calças rancheiras tornaram-se calças jeans, que o surf dominou as praias do Rio, impondo um vocabulário execrado por Caetano Veloso na canção "Língua". Não se fala que foram o anos anteriores à ditadura ficar descarada, como diria Hélio Gaspari, que se gestaram os homens de cabeça branca e as mulheres tingidas de louro que, aposentados em busca de pertencimento, aglomeraram-se em frente aos quartéis. Infelizmente, também estão brancos os cabelos de que se opôs à ditadura. Carecemos de renovação, caso contrário, viveremos sempre com a espada de Dâmocles do fascismo sobre nossas cabeças.

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