quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O mito da legitimidade

Por Marcos Coimbra* - O único mito que faz sentido discutir a respeito de Bolsonaro é o que afirma que ele venceu democraticamente a eleição e tem, portanto, legitimidade para governar. Os demais são despropositados e não merecem consideração. Só os idiotas acreditam que Bolsonaro é, em si, um "mito". É provável que, em um futuro não muito distante, nossos descendentes se espantem com o que aconteceu no Brasil em 2018, como já ocorre hoje com a quase unanimidade da opinião púbica internacional.

Praticamente tudo que o cânone democrático moderno estabelece para considerar legítima uma eleição foi desrespeitado. A começar por uma de suas exigências fundamentais, de que são democráticas apenas as eleições livres e idôneas nas quais todas as lideranças políticas têm o direito de disputar apoios e votos.

A exclusão de Lula, baseada em decisões jurídicas fortemente contestadas e perpetrada por um ator político comprometido com outra candidatura, foi um absurdo institucional, sem o qual Bolsonaro não teria ganho. Levar Moro para o ministério e sacramentá-lo como pré-candidato na próxima eleição apenas explicita o caráter (ou a falta de caráter) de quem fez o convite e de quem o aceitou.

O veto militar à revisão desse despropósito pelas instâncias superiores do Judiciário, complementada pela proibição de que Lula sequer pudesse se manisfestar durante o processo eleitoral, foi um passo adicional na caracterização da ilegitimidade do resultado. A gratidão emocionada de Bolsonaro ao chefe do Exército, reconhecendo-o como responsável por sua vitória, formalizou essa segunda intervenção. 

Nem o golpe civil orquestrado por Moro, nem o golpe militar branco confessado pelo ex-ministro foram, no entanto, suficientes para produzir resultado. Sem outra ilegitimidade, cometida contra o eleitorado, Bolsonaro não teria vencido.

Ao gráfico 1, a seguir, podemos ver como foi a evolução das intenções de voto nos candidatos a presidente nas sete semanas que antecederam o primeiro turno. Nele, está a evolução da média das pesquisas de 14 institutos, todos os que registraram levantamentos para divulgação pública.

O conjunto das pesquisas mostra que houve apenas dois momentos de mudanças intensas no processo de tomada de decisões de voto: nas seis primeiras semanas, (isto é, até o início da última), Bolsonaro foi de 20% para 28%, o que deixaria incerto que terminasse na frente o primeiro turno; enquanto isso, Haddad, nas duas semanas entre os dias 9 e 23 de setembro, foi de 6% para 20%. Assim, na entrada da semana final, tínhamos Bolsonaro parado e Haddad ainda crescendo, estando a distância entre os dois, na média de 14 pesquisas, em 4 p.p., ou seja, dentro da margem de erro da maioria delas.

O crescimento de Bolsonaro na última semana precisa ser explicado, pois o de Haddad, depois de indicado por Lula, é de fácil compreeensão. Dizer que foi a "facada" (por mais misteriosa que seja) não serve, haja vista a quase estabilidade do capitão nos dias seguintes. Afirmar que foi o "antipetismo" que o impulsionou tampouco serve: quase a totalidade do eleitorado já possuía há tempo a informação de que Haddad era o candidato do PT e de Lula e não foi isso que alterou drasticamente as intenções de voto nos sete dias finais.

Nas pesquisas de tracking realizadas pelo Vox Populi, é possível ver como e onde aconteceu esse crescimento de Bolsonaro, que o levou à vantagem no primeiro turno e à vitória no segundo.

Os números mostram que não foi no Nordeste (onde, nos quinze dias finais, a distância entre os dois permaneceu estável), não ocorreu no eleitorado masculino (em que a vantagem de Bolsonaro cresceu moderadamente), não existiu entre pessoas de renda baixa e no eleitorado católico (entre os quais Haddad sempre liderou). No entanto, entre as mulheres, especialmente no Sudeste e de renda média e média baixa, Bolsonaro cresceu muito, pela influência, nesse grupo, da religião.

O que aconteceu no público evangélico pode ser visto no Gráfico 2, a seguir:

O Gráfico e mostra como Bolsonaro abriu distância em relação a Haddad: quase triplicou a vantagem que sempre possuiu no eleitorado evangélico. Os dez pontos de frente que tinha no dia 26 de setembro tornaram-se trinta no levantamento concluído em 5 de outubro. Como os evangélicos são cerca de 30% do eleitorado, trinta pontos de vantagem no segmento representam 10% do total.

O que mudou a eleição e permitiu que Bolsonaro entrasse no segundo turno quase eleito não foi o antipetismo, a lava-jato, as prestidigitações de Moro, a intervenção dos generais, o horror ao PT da TV Globo. Foi uma mudança abrupta e intensa no eleitorado evangélico, especialmente da baixa classe média, especialmente feminino.

Um raro bom jornalismo oferecido pela grande imprensa brasileira revelou como isso foi feito: através do impulsionamento de informações falsas e mentiras contra Haddad, disseminadas pelo WhtsApp. Muito provavelmente, usando neopentescostais, alinhados com Bolsonaro. Sabemos qeum fez o trabalho sujo, quanto custou e quem pagou.

O mito da eleição está em fingir que ela foi "normal" e que Bolsonaro venceu legitimamente. Ter mais votos que o adversário não significa, no entanto, vencer com legitimidade, como vemos a toda hora em eleições manipuladas mundo afora.

À medida em que mais informações e novas confissões vão vindo à tona, esse mito perde substância e diminuiu a proporção dos que o subscrevem. Hoje, excluindo Bolsonaro e seus áulicos, talvez somente Ciro Gomes  ainda acredita na legitimidade dos resultados, sabe-se lá porquê.

*Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Imagem: reprodução

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