terça-feira, 12 de maio de 2020

A vida ou a morte no par ou ímpar. Por Moisés Mendes

Por Moisés Mendes, em seu blog - A controvérsia sobre a manutenção ou não do isolamento social, sobre a quarentena compulsória ou sobre o afrouxamento total de todos os controles vai sendo tomada pelo cansaço. E surge outro debate, esse mais restrito e menos intenso e apaixonado, mas muito mais doloroso. É o das escolhas nos hospitais.

É um debate aparentemente apenas técnico sobre que deve merecer cuidados prioritários, com todos os recursos disponíveis, quem pode contar com cuidados intermediários, que terá atenção apenas paliativa, até chegar a hora da morte, e quem em algum momento terá os aparelhos desligados e a medicação suspensa. 

Tenho lido textos que, quando terminam, ficam me devendo mais e mais, de tão intensos e profundos. Tratam da filosofia da sobrevivência em tempos de pandemia. São belamente trágicos. Como o que li hoje na Folha dos professores Alcino Eduardo Bonella, Darlei Dall'Agnol, Marco Antônio e Marcelo de Araujo sobre acesso às UTIs.

Todos lidam com ética. A grande questão posta por eles e por textos anteriores que li, na mesma linha, é que não tem saída: os profissionais de saúde terão de estabelecer critérios para salvar o maio número de vidas.

E aí, meus amigos da minha geração, a nossa chance se reduz. Nós, que chegamos à emergência de um hospital, em situações ditas normais, e somos classificados de acordo com a gravidade e a urgência da nossa situação, agora seremos classificados pela nossa capacidade de sobrevivência. 

Seremos submetidos a uma pontuação. Pelo escore apurado, com critérios variados de avaliação, quanto mais idade tivermos, menores serão as chances de disputar espaços, equipamentos e profissionais, nesse hora de tantas carências. 

A parte mais dolorosa do artigo é a que trata do que a ciência chama de randomização, o estranho nome para as escolhas aleatórias, nesse caso num grupo de pessoas, e que pode ser resumido assim: haverá uma hora em que, numa situação de empate, o desempate acontecerá por sorteio.

Isso é, de forma simplificada, lidar com a randomização, quando um indivíduo, mesmo em situações teoricamente desfavoráveis, será posto ao lado de outros para brigar, sob as mesmas condições, pela sobrevivência.  

São decisões dramáticas diante da pandemia, não tem jeito. Dias atrás, quando divulgaram um vídeo do atual ministro da Saúde, Nelson Tech, em que ele dizia que essas escolhas devem ser feitas, houve gritaria generalizada. Disseram que o homem não gostava de velhos. 

O homem era apenas um médico quando deu o depoimento, e não uma autoridade. Mas agora, a maior autoridade dentro de um hospital, que é o médico, está dizendo, sob a orientação de gente que estuda ética: teremos de fazer escolhas, cada vez mais. Eles já estão fazendo escolhas.

Quem chega hoje a um hospital com alguns critérios fixados, por mais básicos que sejam, erá saber que, a cada informação passada sobre doenças crônicas e quadros infecciosos que fragilizam, irá para o fim da fila. 

Quanto maior a idade, quanto maior a comorbidade e outros fatores avaliados pelos médicos, em combinação com histórico de vida, menores as chances de disputar uma vaga na UTI, um respirador e a atenção das equipes de intensivistas.

E chegamos ao momento em que, depois de todas as avalizações, poderemos ser submetidos a um sorteio. 

Vivemos até aqui para chegar aos tempos do terror bolsonarista (com o agravante de uma pandemia) para viver ou morrer por uma decisão no para ou ímpar. Tomada pelos outros.

Os profissionais da saúde no Brasil sabem o que fazem. Mil vivas aos que submetem suas vidas a todo tipo de risco e sofrimento ético para poder decidir sobre as vidas que tentarão salvar.

Imagem: reprodução/Foto: Pedro Cruxiatti/AFP

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