segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Dá um confere na geladeira. Por Anderson França

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Por Anderson França*, no Metrópoles - A casa tá caindo real na Europa. Nos últimos dias, foram mais infectados no continente europeu que no Brasil. É que os telejornais não informam o conjunto dos infectados no continente, mas nos países, separadamente. E aí temos a falsa ilusão de que está tudo sobre controle, mas não está.
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São números bem assustadores. França, Reino Unido, Itália, Espanha e Portugal tomando medidas duras, mesmo diante de uma incerteza econômica história. 

E com o inverno e a quantidade de idosos na Europa, vai ficar sério.


Políticos de centro, esquerda e direita voltaram a criar pactos para enfrentar mais um período de confinamento, falências de pequenos e médios negócio, crise econômica e de saúde mental, e pelo menos nesse aspecto temos convergência.


Nos Estados Unidos, Trump lida com a ameaça de não ser reeleito. Isso é real, e tão real, que todos já voltam seus olhos pra Suprema Corte onde, 10 minutos depois de Biden ser declarado presidente eleito, os advogados de Trump vão contestar as urnas. Tipo: isso é certo, como dois e dois são quatro.


Bunda

No Brasil, eu durmo e acordo pensando em bunda. Sonhando com bunda. A bunda, considerada pelos boomers paixão nacional, revelou ter função para além do fetiche estético-erótico. Aquelas duas fartas e bem macias porções de carne que saltam aos olhos no fim da espinha também possuem atributos de, digamos, compliance [link por conta do blog do Guara], de requintes suíços. 


No mesmo Brasil onde Russomano diz que morador de rua não pega Covid porque não toma banho. É de boa, passar umas de fome, dormir num chão mijado, a pessoas não morre, vira Fênix, Jesus ressuscitou porque na real era morador de rua, pra você ver aí a tese do Russomano que segue vencendo nas pesquisas, o brasileiro não precisa ser estudado, mas internado.


Tudo no Brasil hoje descamba pro sexo esculhambado ou pra religião, ou ambos. Também cabe a construção civil, caso de Noronha, em que os pedreiros foram convidados a bater uma laje, mas num duplo sentido fatal pro anfitrião da suruba, que tomou a Elza de 2 conto, mas todos passam bem, inclusive os lobo-guará que estavam em cativeiro na Gruta do Senador, um lugar ainda pouco conhecido, no Planalto Central. 


Este colunista recomenda que você ouça sua mãe, quando ela manda lavar as mãos depois de pegar em dinheiro. E nunca, por nada nesse mundo, molhe os dedos pra contar nota.


Era pra levar tudo no humor, mas até o humor tá em crise. Já conhecido como passaralho, é dito nas redes que a Globo demitiu mais de 150 profissionais da emissora, incluindo humoristas. Tiro no pé, já que a Globo tinha de mais interessante eram os quadros de humor crítico, que faziam a gente suportar as gafes políticas das bancadas jornalísticas. Sem humor, fia difícil.


Nós

No meio disso tudo, nós.

Uns já indo pra roda de samba, outros ainda persistem em ficar em casa, algumas cidades abrindo, outras fechando, caso de Paris e Madrid.


Tem um livro, de Po Bronson, chamado: "O que devo fazer da minha vida"? (Nova Fronteira, 2004). Ele entrevistou quase 400 pessoas e no livro, ele colocou 70 dessas entrevistas, perguntando: "Qual é o propósito da sua vida?"

A primeira entrevista desse livro é sobre uma criança que recebeu uma carta, e nela estava escrito que ela seria o próximo Dalai Lama.


Eu acho que nós estamos num momento de perplexidade, atônitos, suspensos diante de um mundo que se levantou e decidiu ter vontade própria. como um Leviatã. Nós criamos esse mundo. Ele cresceu saiu pela porta e não nos ouve mais. 


Aparentemente, nada nos cabe além de ligar a TV e apenas observar o desenrolar da história. Não podemos, temos o poder pra nada. Na verdade, até o poder o poder que existia no voto não era tão verdadeiro assim.


Pois. 

Como dizem os portuga. 


Perplexidade

O que nos resta diante da perplexidade, sendo bem honesto com você, é abri a geladeira e ver se tudo que você precisa está lá. Pode ser água, pode ser fruta, a geladeira é uma metáfora que você deve dedicar algum tempo pra descobrir se na sua vida o que é essencial está presente.


Não que estejamos de verdade diante da morte, mas ora, vamos morrer todos um dia, certo? Perdi alguma coisa? Então. Diante da morte, distante ou próxima, a verdade é estamos sempre na iminência dela, precisamos pensar no que é essencial. 


Veja, zero alarmismo.

Pode não ser morte, mas pode ser um 2021 um pouco mais, digamos, difícil que 2020.

Restrições de liberdade, perda de trabalhos, divórcios, crises que não acabam, mas se transformam em outras. Depressão coletiva, falta de esperança.


Eu não acho que sentar na mureta e contemplar isso sem fazer nada seja o caminho. Vamos descer da mureta e dar um confere na geladeira. Pode ser que, dentro dela, a tua saúde mental esteja devidamente embalada.


A questão é que não vai cegar pra nós uma carta, como no caso dessa criança do Po Bronson, dizendo o que vamos ser no futuro. Que nosso futuro já foi decidido por alguém, e devemos apenas seguir e confiar, que tudo vai dar certo. Nem em nem você vamos ser Dalais. Nós vamos ter que lidar com escolhas. Algumas serão muito erradas.


Mas são necessárias. E enquanto a gente se ocupa com as nossas escolhas, conseguimos reduzir os efeitos da perplexidade, passivos diante daquilo que não podemos mudar. 


*Anderson França, é ativista social, roteirista e escritor, indicado ao Jabuti pelo livro Rio em Shamas  

Imagem: reprodução/crédito: @leandro_assis_ilustra


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