Perguntas e respostas sobre as vacinas para covid-19
Por Natalia Pasternak e Gustavo Cabral de Miranda*: O público brasileiro, provavelmente, toda a Humanidade - nunca acompanhou tão de perto o processo de desenvolvimento e teste de vacinas como agora, durante a crise global gerada pelo vírus SARS-CoV-2. Com isso, surgem curiosidades, dúvidas e temores que o pouco que se aprende sobre vacinações na escola não dá conta de resolver.
Um esforço especial foi feito para reduzir ao máximo o uso de termos excessivamente técnicos e evitar que as explicações se perdessem nas complexidades do funcionamento do sistema imune - que é fascinante e merece um tratamento à parte.
Como funciona uma vacina?
Todas as vacinas seguem uma mesma lógica básica: "enganar" o sistema imune, apresentando-lhe algo que seja inócuo, mas que desencadeie uma reação eficaz contra o agente infeccioso, o vírus ou bactéria, que se pretende combater. Isso pode ser feito com os próprios microrganismos inativados (mortos), atenuados (enfraquecidos), com pedaços do microrganismo, ou mesmo apenas com a informação genética do microrganismo. Se a estratégia funcionar, o sistema imune "acredita" que o microrganismo está lá, e monta uma resposta imune como se enfrentasse uma infecção de verdade.
Isso gera o que chamamos de memória imunológica. Desta forma, o corpo fica preparado para reagir rapidamente quando se encontrar, de fato, com o agente infeccioso. Qualquer agente - vírus, bactéria, molécula, pedaço de molécula - que chame a atenção do sistema imune recebe o nome de "antígeno". O processo de vacinação consiste em introduzir no organismo antígenos que não causem doenças, mas que o preparem para reagir com eficiência ao que causam.
Quais os tipos de vacinas estão sendo testadas contra COVID-19?
Existem várias estratégias de vacinas sendo testadas para COVID-19. Podemos classificar as vacinas por geração, de acordo com a tecnologia utilizada.
Vacinas de primeira geração
São as mais antigas, e já fazemos vacinas assim há mais de 70 anos. São vacinas que usam microrganismos inativos e microrganismos atenuados, que não induzem doenças, mas estimulam o sistema imune. Essas vacinas são fáceis de obter, basta cultivar o vírus ou bactéria e em seguida inativá-lo com algum produto químico ou calor. No caso das atenuadas, é preciso reproduzir o micro organismo várias vezes, até encontrar uma variante que não cause doença.
Algumas vezes da para usar um microrganismo semelhante ao desejado, que causa doença em animais e não em humanos. Foi assim no caso da varíola, e da tuberculose. A vacina de varíola foi feita com uma linhagem de vírus de varíola de vaca, e a de tuberculose, a BCG, com uma bactéria de vaca também. Entre as vacinas atenuadas no calendário vacinal temos a MMR, a tríplice viral, que protege contra sarampo, rubéola e caxumba, a da catapora, e a de febre amarela. Das vacinas inativadas podemos citar a vacina da raiva, e da gripe.
Existem várias estratégias de vacinas para COVID-19 usando estas técnicas. A vacina da Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, é um exemplo de vacina inativada. As vantagens incluem ser uma técnica conhecida, e fácil de usar. Além disso, vacinas inativadas costumam ser seguras e não apresentar efeitos colaterais graves. As desvantagens são ter que trabalhar com o vírus inteiro, o que torna necessário a construção de laboratórios de segurança máxima.
O rendimento de doses por litro também é baixo. Com isso, o investimento para ampliar a produção é alto. Outra desvantagem é que dificilmente uma vacina inativada estimula por completo o sistema imune, e por isso precisam de adjuvantes, que são substâncias usadas para intensificar a resposta inflamatória e recrutar mais células do sistema imune. As vezes também precisam de mais doses.
Vacinas de segunda geração
Essa vacinas já não usam o microrganismo inteiro, mas apenas pedaços. São chamadas vacinas de subunidades, e vão desde vacinas mais antigas que usam toxinas desnaturadas - chamadas toxoides, como a vacina de tétano, por exemplo -, até vacinas muito modernas, que usam proteínas purificadas. Essas proteínas representam apenas um pedaço do microrganismo. Muitas vacinas para COVID-19 usam por exemplo, a proteína Spike (S) inteira. Essas são as proteínas com formato der coroa que recobrem o vírus. Ou mesmo só uma pequena porção dessa proteína.
Mas apenas isso não é suficiente para que o sistema imune reaja bem. Essas proteínas também requerem, portanto, algum apoio, sejam adjuvantes ou outras tecnologias, como nanopartículas. Um exemplo bem estudado é o uso de VLPs (Virus Like Particles) ou partículas semelhantes ao vírus, que nada mais são do que um vírus de mentira, um "esqueleto" do vírus que exibe as proteínas de superfície. Têm cara de vírus, têm jeito de vírus, mas não são o vírus.
Como trabalham só com partes dos microrganismos, essa vacinas são extremamente seguras. Exemplos de vacinas à base de VLPs que estão no nosso calendário são as de hepatite B e de HPV. Para COVID-19, as empresas Novavax e Medicago estão desenvolvendo vacinas de proteínas, e aqui no Brasil, um de nós (Gustavo Cabral de Miranda), vem desenvolvendo uma estratégia para COVID-19 usando VLPs, assim como para outros patógenos, como chicungunha e zika.
Vacinas de terceira geração
São as vacinas genéticas e as vacinas vetorizadas. São técnicas modernas, e, no caso das genéticas, que ainda nem chegaram ao mercado. Ambas são baseadas em informação genética, mas usam estratégias diferentes.
As vacinas vetorizadas utilizam vírus vivos, mas incapazes de causar doença porque são inofensivos e/ou enfraquecidos. Esses vírus são usados como vetor - veículo, uma casca - que carrega uma sequência genética que codifica uma proteína do vírus que realmente interessa. No caso da COVID-19, um vetor viral carrega uma sequência do SARS-CoV-2, por exemplo, os genes que produzem a proteína S.
A maioria das estratégias para COVID-19 usa um tipo de vírus chamado adenovírus como vetor. A empresa Cansino, o Instituto Gamaleya da Rússia e a J&J usam adenovírus humanos, e a AstraZeneca/Oxford usa um adenovírus de macaco. Já a Merck pretende usar o vírus do sarampo atenuado, exatamente como temos na vacina do sarampo. Esses vetores podem ser replicativos, ou seja, capazes de se replicar dentro das nossas células, ou não.
As vantagens das vacinas vetorizadas são, como as de proteínas, não requerer o microrganismo inteiro, usam-se apenas sequências genéticas. Também são muito versáteis. O mesmo vetor pode ser utilizado para diferentes vacinas, basta trocar os genes "embarcados". A desvantagem é que só existe uma vacina de vetor viral aprovada no mercado (para ebola), ou seja, trata-se de uma tecnologia muito nova, cujos efeitos colaterais de longo prazo são desconhecidos.
As vacinas genéticas, de DNA ou mRNA, usam só informação genética. Não trabalham com organismos vivos ou mortos. A ideia, neste caso, é transferir a informação que codifica uma proteína do microrganismo de interesse para dentro da célula humana, e deixar a própria maquinaria celular fazer todo o trabalho. A partir da informação, a célula produz a proteína de interesse e a apresenta para o sistema imune. No caso do DNA, utiliza-se um plasmídeo (uma estrutura circular de DNA) para levar a informação genética até as células do corpo humano. Já as moléculas de mRNA vão dentro de um veículo, uma cápsula de gordura.
Ambas são muito fáceis de produzir, não precisam de laboratório especial, são rápidas, baratas, e rendem muitas doses por litro. Também, como as de vetor, são versáteis, e podemos mudar de doença como quem muda de roupa, simplesmente trocando os genes. As vacinas de DNA são mais estáveis e fáceis de armazenar e transportar, mas são mais difíceis de aplicar. Em geral, precisam de um aparelho chamado "eletroporador", que vai dar pequenos choques elétricos na pele, abrindo canais nas células por onde o DNA pode entrar.
Esses aparelhos não são de uso comum em postos de saúde, e são caros. Já as de mRNA podem ser injetadas normalmente com seringa, no músculo, mas o mRNA é uma molécula frágil que precisa ficar protegida de luz e calor. Algumas vezes precisa de temperatura de -20º C ou até -70 C, o que não é trivial para transporte e armazenamento. Não temos nenhuma vacina genética no mercado ainda, mas aprovar qualquer uma delas será um marco na história das vacinas.
A Inovio está produzindo vacina de DNA, e a Moderna e a Pfizer, e mRNA. No Brasil, o Instituto de Ciências Biomédicas da USP está desenvolvendo vacinas de DNA e mRNA.
Qual vacina tem mais chance de funcionar?
Todas as tecnologias são promissoras, e várias vacinas para COVID-19 já estão em fase 3, ou seja, já passaram pelas fases 1 e 2, de segurança e marcadores de imunidade. Mostraram que são seguras a curto prazo, e capazes de induzir resposta imune. Na fase 3, serão testadas para para eficácia, ou seja, para ver se funcionam mesmo, e se conferem proteção. Todas têm chance de funcionar na fase 3. Mas pode acontecer de uma ser melhor para idosos, e outra só funcionar em jovens. Pode ser que uma seja dose única e outra precise de duas ou três doses. Pode ser que uma seja mais eficaz, e proteja mais pessoas do que outra. Isso só saberemos testando.
(...)
É verdade que vacinas são feitas em tecidos de fetos humanos abortados?
Mentira! Primeiro, como vimos, existem diversas maneiras e estratégias para desenvolver uma vacina: qualquer afirmação que tente dizer algo sobre "todas as vacinas", portanto, tem uma enorme chance de estar errada.
Vale a pena clicar aqui e ler a matéria completa.
*Natalia Pasternak é pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, presidente do Instituto Questão de Ciência e coautora do livro "Ciência no Cotidiano" (Editora Contexto)
Gustavo Cabral de Miranda é doutor em imunologia e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP
Imagem: reprodução/créditos: Dado Ruvic/Reuters

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