segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Advogados paranaenses queimam livros em ato de repúdio ao STF; OAB Paraná classifica gesto como 'indefensável'

Por Rodolfo Luís Kowalski, no Bem Paraná: Na última sexta-feira (02) foi celebrado o Dia dos Criminalistas. E no Paraná, a data acabou marcada por uma manifestação ocorrida em frente à subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Cascavel, no Oeste paranaense. É que "advogados de direita" (como eles próprios se identificam) decidiram fazer um ato público "de repúdio aos desmandos do STF e TSE", conforma consta em convocação para o ato que circulou nas redes sociais. Tal ação acabou ganhando grande repercussão pela forma como os advogados decidiram protestar: promovendo uma queima de livros.
www.seuguara.com.br/advogados/Paraná/manifestação/STF/TSE/

Ainda na noite de sexta a OAB de Cascavel divulgou uma nota em suas redes sociais, na qual destacou que a iniciativa "não foi oficial e alheia à sua programação", que o ato foi realizado "na parte externa da estrutura da OAB, portanto, em ambiente público" e que "quaisquer desdobramentos futuros sobre a ação são de inteiramente responsabilidade de seus idealizadores ou participantes".  

www.seuguara.com.br/OAB/Paraná/nota oficial/
Reprodução/Facebook OAB Cascavel

Na página do Instagram da OAB Cascavel, diversas pessoas (muitas delas advogados e advogadas) defenderam a manifestação, argumentando que "há momentos em que são necessárias medidas estremas para que a voz dos corretos seja ouvida" e que "os patriotas" se manifestaram "de forma pacífica, ordeira e respeitosa".

Por outro lado, diversos juristas também trataram de associar o movimento com outro episódio histórico, ocorrido entre maio e junho de 1933 na Alemanha: a Bücherverbrennung, uma queima de livros promovida pelo regime nazista ainda nos primeiros meses do Terceiro Reich.

"No dia dos criminalistas, advogados tocam fogo em livros de Direito Penal em frente à sede da OAB de Cascavel. Gravíssimo. Advogados agindo como nazistas. Nossa democracia corre um constante e intenso risco, são muitos os sinais, alertou o constitucionalista Pedro Estevam Serrano, em comentário publicado em suas redes sociais, enquanto outros internautas foram até a página da OAB Cascavel para lamentar "a vergonha proporcionada pelos "advogados de direita" e criticar o fato de a OAB Cascavel não ter tido uma posição mais enfática contra o ato e tudo o que ele simboliza.

Já Mauricio Stegemann Dieter, advogado e professor de Criminologia e Direito Penal da USP, fez uma publicação em seu Twitter apresentando algumas imagens da manifestação e pedindo uma resposta ao caso por parte da OAB Paraná e da OAB Nacional.


OAB Paraná se posiciona

Na madrugada deste domingo (04 de dezembro) a OAB estadual divulgou uma nota em seu site, na qual classificou o episódio ocorrido em Cascavel como uma "indefensável queima de livros em logradouro público, os atos, que não representariam "a classe dos advogados ou a instituição OAB, merecem o repúdio institucional e estão sendo apuradas pelos instrumentos legais e regimentais apropriados."

Abaixo você pode conferir a nota da OAB na íntegra: 


A OAB Paraná tomou conhecimento de atos supostamente praticados por advogados na cidade de Cascavel, no dia 02/12/2022, envolvendo, dentre outras ações, a indefensável queima de livros em logradouro público, em protesto contra decisões judiciais dos Tribunais Superiores. 

Embora os atos tenham sido realizados em frente à sede da OAB Cascavel, a OAB Paraná reitera, conforme nota emitida pela subseção, que se trata de iniciativa privada em área pública, desvinculada da Instituição.

Tais atitudes, além de não representarem a classe dos advogados ou a instituição OAB, merecem repúdio institucional e estão sendo apuradas pelos instrumentos legais e regimentais apropriados.

As liberdades constitucionalmente asseguradas não podem ser exercidas de modo a ensejar ideias que disseminem violência e incitem práticas atentatórias contra o próprio Estado Democrático de Direito.

Diretoria da OAB Paraná


OAB Cascavel se manifesta há meses contra decisões do TSE e do STF

Embora tenha alegado que a manifestação em frente à sua sede "não foi oficial e alheia à sua programação", nos últimos meses a OAB Cascavel vem criticando reiteradamente as decisões de tribunais superiores, principalmente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Coincidentemente, as duas cortes também são alvos prediletos de manifestantes golpistas que estão em frente a quartéis pedindo uma intervenção militar.


Em 29 de agosto deste ano, por exemplo, a subseção de Cascavel da Ordem enviou um ofício à OAB Paraná e ao CFOAB pedindo providências: "em fase de recentes decisões do Ministro do STF - Alexandre de Moraes (inquéritos 'milícias digitais' e 'fake news'), que na análise colegiada desta Subseção, motivam a atuação imediata da instituição". 


Na época, o posicionamento da instituição foi alvo de crítica por parte de outros juristas, como Lenio Streck e Marcio Berti, que num artigo publicado no Conjur questionaram se a OAB Cascavel "não se deu conta que estamos diante do esgarçamento das instituições? Que há em curso no país uma escalada autoritária que ameaça a democracia e as instituições da República?"


Essa, contudo, não foi a única vez em que a subseção paranaense da OAB se manifestou dessa forma. Já em outubro, dias antes do segundo turno da eleição presidencial, a instituição emitiu nota oficial repudiando "atos de censura à veículos de comunicação", alegando prezar "pela liberdade de expressão e pelas conquistas do estado democrático de direito" e que não aceitaria "qualquer ataque às garantias constitucionais da livre manifestação e liberdade de imprensa por qualquer poder da República".


Já no dia 9 de novembro, após as eleições, a OAB Cascavel divulgou um documento, assinado junto a outras instituições do oeste paranaense, reafirmando "seu compromisso com a defesa da liberdade, com a segurança jurídica e com o direito à propriedade". Era mais uma crítica às decisões de cortes superiores, que vinham (e vêm) tentando combater a disseminação de fake news e os ataques à democracia promovidos por militantes de extrema-direita.


OAB Paraná assinou documento pedindo análise da constitucionalidade de decisões do TSE

Em 21 de novembro, dez seccionais da OAB (entre elas a do Paraná) assinaram uma carta pedindo ao Conselho Federal da Ordem para que "atenda inúmeras reclamações de advogados, em relação a decisões proferidas pelo TSE e STF". O documento cita, especialmente, atos de responsabilidade do presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, e pede ainda que o Conselho Federal, através da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais ou outro órgão, analise "em regime de urgência", a "constitucionalidade e legalidade da decisão monocrática proferida por Alexandre de Moraes, que determina o bloqueio de contas bancárias de mais de 40 pessoas físicas e jurídicas, dos mais variados ramos, sob a principal alegação de que estariam 'financiando' supostos atos e ações tidos por antidemocráticos".


Os "supostos atos e ações tidos por antidemocráticos" citados no documento assinado pela OAB Paraná são os bloqueios de rodovias promovidos por bolsonaristas que não aceitam o resultado das eleições. Além da seccional paranaense, também assinaram o documento a OAB do Acre, do Distrito Federal, de Goiás, do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul, de Minas Gerais, de Pernambuco, do Rio Grande do Sul e de Rondônia. 


Queima de livros na Alemanha Nazista

Em 1933, poucos meses após a ascensão de Hitler, várias cidades alemãs organizaram em praça pública a Bücherverbrennung (queima de livros), numa tentativa de destruir tudo o que fosse crítico ou desviasse dos padrões impostos pelo regime nazista. Estima-se que mais de 20 mil livros tenham sido queimados apenas em Berlim, com obras como as de Bertolt Brecht, Karl Marx, Sigmund Freud e Erich Maria Remarque, entre tantos outros, indo parar na fogueira, num ato que contou com a maciça e entusiasmada participação da juventude alemã.


Curiosamente, entre os autores que os nazistas tentaram banir da literatura e da história alemã estava o poeta judeu Heinrich Heine. Mais de um século antes, na década de 1820, Heine havia escrito a tragédia "Almansor", cuja história se passa no século XVI e aborda a vitória que os Reis Católicos (Fernando e Isabel) haviam imposto sobre os mouros da Espanha. Entre os mouros na obra de Heine está o personagem Hassan, um servo que se recusa a transgredir ou abandonar sua antiga fé muçulmana e que, aos acompanhar a queima pública  do Alcorão (livro sagrado do Islã), em Granada, faz uma profecia terrível: "Das war ein Vorspiel nur, dort, wo man Bücher Verbrennt, verbrennt man auch am Ende Menschen" ("Isso foi apenas um prelúdio. Onde eles queimam livros, ele vão, no final, queimar seres humanos também").

Hoje, essa frase está gravada numa placa que fica na mesma praça em Berlim onde, em 1933, nazistas queimaram milhares de livros.


Imagem: reprodução

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[A praça da ignorância. Por Clarissa Neher*: De praça, quase não tem nada: não há banco para descanso. Parece mais um calçadão, que liga a avenida Unter den Linden à rua Behrenstrasse. No meio da Bebelplatz, no entanto, algo chama a atenção dos mais atentos: uma placa de vidro cobrindo um buraco no chão. Dentro dele, prateleiras brancas vazias.

O monumento lembra um dos episódios mais emblemáticos do período nazista. Em 10 de maio de 1933, livros de intelectuais considerados críticos ou que não se encaixavam no padrão pregado pelo regime de extrema direita comandado por Adolf Hitler forma queimados em praças públicas em várias cidades da Alemanha.]

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