A mídia e os juízes
"Ainda há quem duvide quando ouve que a
mídia brasileira é partidarizada. Que tem posição política e a defende com
unhas e dentes. Por opção ideológica e preferência político-partidária, ela é
contra o PT. Desaprova os dois presidentes da República eleitos pelo partido e
seus governos. Discorda, em princípio, do que dizem e fazem seus militantes e
dirigentes.
A chamada "grande imprensa" é formada por
basicamente quatro grupos empresariais. Juntos, possuem um vasto conglomerado
de negócios e atuam em todos os segmentos da indústria da comunicação. Têm um
grau de hegemonia no mercado brasileiro de entretenimento e informação incomum
no resto do mundo. É coisa demais na mão de gente de menos.
Afirmar que ela faz oposição ao PT e a seus
governos não é uma denúncia vazia, uma "conversa de petista". Ficou famosa,
pela sinceridade, a declaração da presidente da Associação Nacional de Jornais
(ANJ) e diretora-superintendente do Grupo Folha, Judith Brito, segundo quem "(…) os meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista
deste país, uma vez que a oposição está profundamente fragilizada".
Disse isso em março de 2010 e nunca se
retratou ou foi desautorizada por seus pares ou empregadores. Pelo contrário.
Cinco meses depois, foi reconduzida, "por aclamação", à presidência da ANJ.
Supõe-se, portanto, que suas palavras permanecem válidas e continuam a
expressar o que ela e os seus pensam.
A executiva falava de maneira concreta. Ela não defendia que a mídia brasileira fizesse uma oposição
abstrata, como a que aparece no aforismo "imprensa é oposição, o resto é
armazém de secos e molhados". Propunha que atuasse de maneira
tipicamente política: contra uns e a favor de outros. O que dizia é que,
se a oposição partidária e institucionalizada falha, alguém tem de "assumir a responsabilidade".
O modelo
implícito no diagnóstico é o mesmo que leva o justiceiro para a rua.
Inconformado com a ideia de que os mecanismos legais são inadequados,
pega o porrete e vai à luta, pois acha que "as coisas não podem ficar
como estão". Se os políticos do PSDB, DEM, PPS e
adjacências não conseguem fazer oposição ao PT, a mídia toma o lugar.
Proclama-se titular da "posição oposicionista deste país", ainda que não
tenha voto ou mandato.
Enquanto o que estava em jogo era apenas a impaciência da mídia com a
democracia, nenhum problema muito grave. Por mais que seus
editorialistas e comentaristas se esmerassem em novas adjetivações
contra o "lulopetismo", pouco podiam fazer.
Como dizia o imortal Ibrahim Sued, "os cães ladram e a caravana passa",
entendendo-se por caravana Lula, Dilma, o PT e sua ampla base na
sociedade, formada por milhões de simpatizantes e eleitores. Aí veio o
julgamento do "mensalão". A esta altura, devem ser poucos os que ainda
acreditam que a cúpula do Judiciário é apolítica. Os que continuam a
crer que o Supremo Tribunal Federal (STF) é uma corte de decisão isenta e
razoável.
Desde o início do ano, seus integrantes foram pródigos em declarações e atitudes
inconvenientes. Envolveram-se em quizílias internas e discussões
públicas. Mostraram o quanto gostavam da notoriedade que a aproximação
do julgamento favorecia.
Parece que os ministros do STF são como Judith Brito: inquietos com a
falta de ação dos que têm a prerrogativa legítima, acharam que "precisavam fazer alguma coisa". Resolveram realizar, por conta própria,
a reforma da política.
O STF não é o lugar para consertá-la e "limpá-la", como gostam de dizer
alguns ministros, em péssima alusão a noções de higienismo social. Mas o
mais grave é a intencionalidade política da "reforma" a que se
propuseram.
A mídia e o STF estabeleceram uma parceria. Uma pauta o outro, que
fornece à primeira novos argumentos. Vão se alimentando reciprocamente,
como se compartilhassem as mesmas intenções. A pretexto de "sanear as
instituições", o que desejam é atingir adversários.
O julgamento do mensalão é tão imparcial e equilibrado quanto a
cobertura que dele faz a “grande imprensa”. Ela se apresenta como
objetiva, ele como neutro. Ambos são, no entanto, essencialmente
políticos.
As velhas raposas do jornalismo brasiliense já viram mil vezes casos
como o do "mensalão", mas se fingem escandalizadas. Vivendo durante anos
na intimidade do poder, a maioria dos ministros presenciou calada
esquemas para ganhar mais um ano de governo ou uma reeleição, mas agora
fica ruborizada. O que ninguém imaginava era quão simples seria para a
mídia ter o Supremo a seu lado. Bastavam algumas capas de revista.
E agora que se descobriram aliados, o que mais vão fazer juntos?"
* Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi. Também é colunista do Correio Brasiliense.
Imagem: Educom

Clique aqui para assinar nosso feed. O serviço é totalmente gratuito.
0 comments:
Postar um comentário
Seu comentário é muito importante para agregar valor à matéria. Obrigado.