A prisão do senador e a crítica de Renato Rovai à militância do PT

A prisão preventiva do senador Dulcídio do Amaral (PT), determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), causou uma perplexidade enorme no Congresso Nacional. Nos bastidores, segundo os profissionais de imprensa, havia um silêncio sepulcral nunca dantes visto. A mídia em geral, fez questão de dar ênfase à ligação do senador com o Partido dos Trabalhadores (PT).

Óbvio. O parlamentar é filiado ao PT desde que o Partido chegou ao poder com Lula há 13 anos. Oriundo do PSDB, Dulcídio se transformou em líder do governo no Senado. Oportunista, o parlamentar fez história na política brasileira transitando na direita e na esquerda com a mesma desenvoltura. Certamente conhece o estilo dos atores de ambos os lados. Tanto, que era um dos principais negociadores do governo na Casa. Estava à frente de um dos principais projetos de ajuste fiscal do governo, aquele que trata da tributação de grandes fortunas depositadas no exterior.

Agora, conhecemos o lado escuro da sua trajetória. Contudo, da bancada do Partido no Senado, 13 senadores votaram contra a manutenção da prisão de Dulcídio do Amaral. Por razões desconhecidas e por decisão pessoal, nove desses senadores eram do PT. Por outro lado, a direção do Partido dos Trabalhadores já se movimentou para tratar da expulsão do senador dos seus quadros.

No entanto, a militância do Partido tem se manifestado de maneira a desvincular a imagem do senador do Partido. Mesmo estando claro que o caso não envolve necessariamente o Partido, nem o governo, que com certeza politicamente fica mais prejudicado do que já está, a atitude da militância petista não tem nenhuma razão de ser. Ela não pode negar a liderança política exercida pelo senador dentro do Congresso Nacional ao longo desses anos todos. 

Sabendo ou não, de seus atos corruptos paralelos em benefício de si próprio, a militância petista não pode alegar, por exemplo, que Delcídio do Amaral sempre fora um "tucano enrustido". Mesmo que exista no fundo qualquer resquício de verdade nesta declaração, que a maioria desconheça, é como tentar tapar o sol com peneira. Como disse o jornalista Renato Rovai, ao criticar a postura expressa da militância do Partido, diante de mais um fato estarrecedor na política brasileira.

Todavia, é inconcebível para qualquer cidadão ou cidadã minimamente informado defender um político declaradamente criminoso, seja ele filiado a que Partido for. A esta altura não se sabe mais qual Partido político tem mais corruptos. Em uma comparação sobejamente simplista, a posição política-partidária assumida por cada um, é como decisão de professar determinada religião. É uma escolha estritamente pessoal. Porém, os crimes e os pecados porventura praticados nos dois universos, guardam certa semelhança. E devem  igualmente serem punidos, indistintamente.  

Não adianta dizer que o Delcídio não é bem assim um petista

Por Renato Rovai *
       

"O PT vem perdendo a vergonha há algum tempo e nesse período alguns petistas perderam completamente o senso de ridículo.

Depois da prisão de Delcídio, líder do governo no Senado, vários militantes passaram a dizer que o senador que está no partido desde 2002 na verdade era um tucano enrustido.
Assim fica fácil.

Depois de 13 anos filiado, de ter sido senador por dois mandatos, candidato a governador do seu estado por duas vezes, de ter se tornado líder do governo no Senado, de ter sido presidente de CPI, descobre-se que ele não é tão assim do partido.

É compreensível que boa parte da base mais à esquerda e mais programática não goste de Delcídio. E que não o considere assim tão petista. E muito mais um oportunista. Mas entre achar isso e ter coragem de sair dizendo isso por aí para se defender das malandragens que ele fez, aí já é demais.

Delcídio é do PT e ponto final.

E por isso mesmo a bancada do partido no Senado, com duas exceções, tentou fazer com que a manutenção da sua prisão fosse derrubada na sessão de ontem.

Além disso, a despeito da nota dura assinada por Rui Falcão, Delcídio ainda não foi expulso do PT.

E nesses casos, aqueles que respeitam sua militância deveriam deixar de fazer de conta que foram enganados por um espertalhão e buscar entender porque a legenda que ajudaram a construir se tornou um porto seguro para este tipo de bandido.

O que Delcídio tentou operar foi algo de organização criminosa. Quem monta esquema de fuga para bandido com recursos de corrupção não age sozinho. E até por isso, o banqueiro André Esteves também está preso.

Isso não quer dizer que o PT estivesse envolvido na operação. Aliás, não é gente do PT que Delcídio cita entre os que poderiam ajudá-lo. Ele diz que iria conversar com Renan e Michel (presidente do Senado e vice-presidente da República, do PMDB) para buscar interlocução com outros ministros do STF.

Mas mesmo assim o PT e seus militantes têm obrigação de tratar esse caso Delcídio como paradigmático. E para que isso ocorra não se deve tapar o sol com a peneira.

Deve-se reconhecer que o líder do governo no Senado era uma liderança importante do partido e criar mecanismos claros para impedir que isso continue a ocorrer. E em momentos como esses é preciso radicalizar.

Não basta dizer que aqueles que forem pegos fazendo o que Delcídio fez serão expulsos. Porque até na máfia isso acontece.

É preciso construir mecanismos para que novos Delcídios não tenham interesse em se filiar ao PT. Porque o partido criou mecanismo duros para combater qualquer tipo de desvio.
Não se pode ter medo de pecar por excesso num momento como o atual.

É melhor o excesso do que a leniência. A leniência e o discurso fajuto de que não é bem assim levaram o PT a uma situação humilhante. E próxima do fim.

E por isso mesmo ou o PT assume seus pecados e muda suas regras ou não será mais uma legenda importante no espectro político a partir das próximas eleições.

O tempo para a mudança já está na prorrogação.

E tem gente fazendo de conta que o jogo está só começando."

*Renato Rovai é editor da revista Fórum

Imagem:reprodução/247