As "verdades" de Bolsonaro e o mundo paralelo dos bolsonaristas. Por Rudolfo Lago
Um vídeo que circula nas redes de apoiadores do presidente mostra Bolsonaro passando pela porta que separa a área de desembarque do restante de um aeroporto, sendo recebido por uma multidão, que o carrega nos braços, emocionada. No estranho e paralelo mundo bolsonarista, foi assim que o presidente chegou a Nova York. Talvez de nada adiante, mas é importante dizer que o tal vídeo é de 2018, da campanha à Presidência da República. E que o aeroporto é de uma cidade brasileira que só tem paralelo com Nova York o fato de também começar com a letra N: aquilo foi no Aeroporto de Natal.
Temo aí mais um exemplo a explicar o enorme esforço de Bolsonaro para tentar tirar das redes sociais a prerrogativa de poder bloquear conteúdos ofensivos e falsos. A tática usada por Bolsonaro e outros líderes da nova direita mundial, como Donald Trump, alimenta-se da necessidade de criar essas realidades paralelas. Em bom português, alimenta-se de falsear a realidade. Em português mais claro ainda, alimenta-se de disseminar mentiras que se tornam verdade nas mãos dos crédulos ou dos mal intencionados.
É uma aguda evolução do fenômeno de não gostar da verdade. O processo de reagir à verdade desagradável evoluiu para a construção de fato de uma verdade paralela. Se a covid-19 incomoda, diremos que a covid-19 não existe. Se não há remédio para curá-la, inventemos a cloroquina. Se as pesquisas indicam que vamos perder a próxima eleição, diremos que ela será fraudada. Se o presidente não vacinado tem que se movimentar como um ária por Nova York e comer pizza na calçada, diremos que ele foi recebido de braços abertos pelos novaiorquinos.
O grande problema de tudo isso é conseguir com que a verdade do mundo paralelo suplante a verdade do mundo verdadeiro. Enfim, tornar possível sempre a máxima do ministro da Propaganda nazista Joseph Goebbles de que uma mentira contada mil vezes vira verdade. Bem, a mentira nazista tragicamente colou nos alemães por muito tempo, mas uma hora acabou desmascarada.
Bolsonaro subiu no púlpito do salão da Assembleia Geral da ONU na manhã de hoje [21/09] disposto a estabelecer ali as suas verdades. Disse que mostraria ali um Brasil diferente do que aparece nos jornais e TVs. E fez uma mistura de escolhas de pontos que são verdadeiros - como a evolução das parcerias com a iniciativa privada feitas pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que realmente acontecem - com outros que são controversos. Como o argumento de que o isolamento social contribui para aumentar a inflação no mundo. Certamente, a covid-19 não foi algo simples de lidar para nenhum país do planeta. Mas alguns países que fizeram isolamento social rigoroso e vacinaram a sua população, como Portugal, já estão bem mais próximos da normalidade que o Brasil. Quanto à inflação, estudo da OCDE publicado hoje [21/09] mostra que, de uma lista de 20 países, o Brasil será o terceiro com maior inflação em 2021.
A verdade paralela talvez sobreviva para sempre na crença dos bolsonaristas mais radicais. O desafio é saber até quando ela tem capacidade de sobrevivência fora dessa bolha.
Imagem: reprodução

Clique aqui para assinar nosso feed. O serviço é totalmente gratuito.
0 comments:
Postar um comentário
Seu comentário é muito importante para agregar valor à matéria. Obrigado.