sábado, 8 de outubro de 2022

Sem Lula, o céu é o limite para Bolsonaro e o Centrão. Por João Bosco

Por João Bosco*: Não há céu de brigadeiro para nenhum dos candidatos presidenciais no segundo turno. Permanece o favoritismo de Lula, em escala bem menor do que o previsto, mas ainda assim constituindo uma imensa travessia para Jair Bolsonaro.

www.seuguara.com.br/Lula/Bolsonaro/debate/eleições 2022/

Se Bolsonaro já logrou uma vitória significativa na composição do Legislativo, majoritariamente centro-direita, e conquistou governos estaduais estratégicos, é igualmente verdadeiro que a distância que o separa de seu rival não pode ser subestimada mesmo diante da onda que reduziu a distância entre ambos do primeiro para o segundo turno.

Lula terá mais dificuldades políticas pra governar do que Bolsonaro, caso este se reeleja na contramão dos cálculos baseados no resultado real do primeiro turno. O Congresso eleito, com um Senado menos favorável e um contexto legislativo de afirmação de poder, exigirá mais concessões ao ex-presidente, enquanto representará para Bolsonaro uma renovação de contrato.


A Câmara está nas mãos do centrão que já tem propostas definidas para 2023 e pretende ter a iniciativa da pauta. Ao mesmo tempo, se fizer cabelo, barba e bigode, ou seja, reeleger-se depois de consolidar-se como corrente política, Bolsonaro e o centrão, de mãos dadas, terão inédita liberdade de ação para impor-se sem limites ao país.


Entre outras propostas reformistas, pretende reduzir poderes de instituições como a Receita Federal, agências reguladoras e também iniciar uma queda-de-braço com o Judiciário, especialmente com o Supremo Tribunal Federal, para o qual reserva mudanças, na composição e nas regras.


Um dos alvos será o Regimento Interno, rito próprio do qual se serve a Suprema Corte para decisões que tangenciam as regras processuais na avaliação de seus críticos. Um dos exemplos que ilustram os argumentos de seus opositores foi a origem, no próprio tribunal, do inquérito das Fake News que atormentou a vida de Bolsonaro e aliados.


O Senado, que foi obstáculo ao avanço de projetos bolsonaristas, mesmo os aprovados na Câmara, agora mudou sua composição e já não será mais duto de oxigênio com o qual contava o candidato petista. Não resolve os problemas de Bolsonaro, mas os reduz bastante em relação à sua configuração atual. Rodrigo Pacheco, por exemplo, já não tem a reeleição garantida.


A conquista de mais governos, inclusive estratégicos, não traz para Bolsonaro apenas a força do apoio eleitoral dos governadores e das bancadas eleitas por ele. Pesa sempre na decisão do eleitor o pragmatismo com que olha as relações aliadas dos seus governos com o governo federal.


São muitos os exemplos, mas governadores como Sérgio Cabral, para ficar em um dos mais emblemáticos e recentes, logrou a reeleição sustentado pelas relações com o governo do ex-presidente Lula. O eleitor tende a ver essa relação como positiva pra seu Estado e, por consequência, para sua vida.


São duas relações de causa e efeito - a do governo federal com o Legislativo e com os governadores. Esses dois fatores somam a favor de Bolsonaro na curta campanha do segundo turno. Não por acaso, tanto o presidente quanto seu concorrente buscam maximizar os apoios dos já eleitos, com base nos resultados das urnas - e não mais das projeções das pesquisas.


Bolsonaro deverá enfatizar esse aspecto de forma mais explícita visando sua multiplicação pelos novos e velhos aliados, os que chegam e os que voltam. É um efeito dominó, que também está ao alcance de Lula, porém com escala mais favorável ao presidente. Não deve ser subestimada, pois, sua meta de virar uma disputa em que pese precisar buscar sete vezes mais votos que seu adversário.


Há também a performance das campanhas, onde Bolsonaro se mostrou mais eficiente. A campanha de Lula errou mais do que o razoável, mordeu iscas clássicas, como no debate com o "padre" Kelmon, que poupou Bolsonaro de exposição mais longa e penosa.


Ao se dispor a disputar votos dos evangélicos em cima da pauta de costumes, território de óbvia desvantagem, Lula esqueceu de investir na Igreja católica, rival e crítica dos evangélicos e que tem uma relação histórica com o PT. Só há poucos dias, viu-se uma foto do ex-presidente com padres franciscanos.


A campanha do PT se manteve analógica e os conteúdos nas redes mostram o equívoco de abordar esta como uma eleição comparativa de biografias, quando se trata de uma eleição com caráter de ajustes de contas. Ainda assim, a diferença que falta a um e outro para a vitória permanece difícil para Bolsonaro. Porém, não mais impossível.


As eleições expressivas de candidatos estigmatizados pela oposição como carrascos da Covid e do meio-ambiente, indicam que essas narrativas não sensibilizaram o eleitorado. O que já fora sinalizado na desistência de João Dória. que não vingou nem em seu partido e nem junto ao eleitor paulista, apesar de capitanear a iniciativa da vacinação e ser consenso que fez um bom governo.


Em um eleitorado conservador como o brasileiro, constatação sem juízo de valor, a pauta de costumes favorece Bolsonaro, para além da questão religiosa. O estado laico ainda tem o limite de temas como o aborto, o meio-ambiente nos termos globais ainda encontra resistência nos argumentos da cobiça internacional sobre as riquezas naturais do Brasil e como mecanismo para o protecionismo comercial. O eleitorado evangélico e a votação de Ricardo Salles, duas vezes a de Marina Silva, estão aí para provar.


Os discursos dos candidatos carregam o cheiro de mofo - tanto o nacionalismo de Bolsonaro quanto o caráter revolucionário do PT pertencem a outro século, mas são carro-chefe das respectivas campanhas.


O que explica a consolidação do bolsonarismo e a dificuldade do PT em repetir êxitos passados é exatamente a compreensão de que se trata de um acerto de contas - e não uma sustentação de conteúdos que as justifiquem. Não é debate, mas emoção, identificação e resultado que contam nessa disputa.


Lula não teve o brilho de outros tempos para superar o estigma de sua prisão. A expressão de Kelmon, a quem aqui é recusado o título de padre, foi cuidadosamente pensada para alcançar a linguagem popular e causou embaraço a Lula.

"Você é um descondenado", acusou, pinçando um termo que situa o ex-presidente entre judicialmente absolvido, mas não moralmente - o que encontra ressonância no contexto religioso, onde o perdão é prerrogativa divina.

A reação de Lula foi de impaciência com a encenação que tudo aquilo representava, denunciando seu cansaço e falta de vigor para enfrentar uma armadilha clássica - a do candidato-laranja a servir de escada para o adversário real.


Agora terá a oportunidade de um debate sem interferências, direto, entre ele e Bolsonaro. Olho no olho, como disse, ao afirmar otimismo para a confirmação da vitória final.

Mas ainda corre o risco da provocação para a qual mostrou vulnerabilidade no debate da Globo. De toda a forma, pela distância que precisa para vencer, em relação à de Bolsonaro, não poder deixar de ser considerado favorito. 

Mas o céu não é mais de brigadeiro como supunha quando a estimativa era a de uma passagem mais larga para o segundo turno. Como nunca foi para Bolsonaro.


*João Bosco Rabello é jornalista há 45 anos e participa da cobertura política em Brasília desde 1977. Foi coordenador de Política de O Globo, colunista e Diretor da Sucursal do Estadão por 23 anos

VIA

Imagem: reprodução/Arte Metrópoles/Fotos: Fábio Vieira/Rafaela Felicciano


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