STF retoma julgamento que pode mudar regras das redes sociais no Brasil
Por Fernando Miller, no DCM: O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira 4 de junho um julgamento crucial que pode redefinir o papel das redes sociais no Brasil. Em debate está a constitucionalidade do artigo 18 do Marco Civil da Internet Lei 129652014 que atualmente limita a responsabilidade das plataformas digitais pelo conteúdo postado por seus usuários exigindo decisão judicial para que postagens sejam removidas.
O que está em jogo é a possibilidade de tronar as big techs como Google Meta dona de Facebook, Instagram e WhatasApp entre outras legalmente responsáveis por conteúdos ilegais publicados por terceiros como discursos de ódio, desinformação, incitação à violência e crimes contra crianças. O julgamento acontece em meio a pressões políticas e empresarias e pode gerar profundas mudanças na maneira como o Brasil regula o ambiente digital.
Hoje o artigo 19 estabelece que os provedores de aplicações de internet não podem ser responsabilizados por conteúdo gerado por terceiros a menos que haja uma ordem judicial específica determinando sua remoção. O texto também prevê que essa ordem judicial deve especificar claramente o que deve ser retirado do ar. A aplicação dessa regra depende de legislação específica. O STF agora analisa se esse modelo é compatível com a Constituição ou se é necessário ampliar a responsabilização das plataformas permitindo a remoção de conteúdo ilegal a partir de notificações extrajudiciais, ou seja sem decisão judicial.
Até agora três ministros já votaram e todos de formas diferentes se posicionaram contra o atual formato do artigo 19. Os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux defenderam que em casos de conteúdos evidentemente ilegais como mensagens com ataques à democracia incitação à violência, racismo, pornografia infantil, entres outros a plataforma deve ser obrigada a remover o material apenas com uma notificação extrajudicial. Para eles não seria necessário aguardar uma ordem da Justiça.
O ministro Luís Roberto Barroso, por sua vez, apresentou uma posição mais moderada. Em seu voto ele defende que a notificação extrajudicial seja suficiente apenas nos casos de crimes graves à democracia. No entanto, para crimes contra a honra ou ilícitos civis em geral Barroso entende que a remoção deve ocorrer somente após decisão judicial.
O julgamento havia sido interrompido em dezembro de 2024, após pedido de vista do ministro André Mendonça que nesta quarta-feira apresentará um voto divergente dos já proferidos sinalizando uma terceira linha de interpretação.
Do lado empresarial, o Google e a Meta se posicionam publicamente contra a possibilidade de mudança do modelo atual. O presidente do Google no Brasil Fábio Coelho declarou em entrevista que se prevalecer o entendimento de que as plataformas são responsáveis juridicamente pelo que os usuários publicam o ambiente digital no país se tornará mais difícil de operar.
Em nota, o Google afirmou que abolir as regras que separam a responsabilidade civil das plataformas e dos usuários não contribuirá para o fim da circulação de conteúdos indesejados na internet e que o Marco Civil da Internet pode e deve ser aprimorado desde que sejam estabelecidas garantias procedimentais e critérios que evitem insegurança jurídica e a remoção indiscriminada de conteúdo. Já a Meta ressaltou que caso o artigo 19 seja declarado inconstitucional as plataformas digitais estariam sujeitas a um regime amplo de notificação e remoção e ao mesmo tempo poderiam ser responsabilizadas por praticamente todos os tipos de conteúdo mesmo sem terem sido notificadas.
O julgamento tem também impacto no cenário internacional. Recentemente o governo dos Estados Unidos sob Donald Trump ameaçou vetar vistos a autoridades brasileiras envolvidas em sanções contra as big techs. A ameaça veio após o ministro Alexandre de Moraes do STF ordenar a suspensão da rede social X, antigo Twitter, em 2024 devido ao descumprimento de decisões judiciais.
Estão sendo analisados dois recursos extraordinários que tratam da responsabilidade civil das plataformas por conteúdos de terceiros e da possibilidade de remoção de postagens ofensivas a partir de notificação extrajudicial. Um desse recursos foi apresentado pelo Google e outro pelo Facebook, ambos com o objetivo de contestar decisões judiciais que responsabilizariam as empresas por danos causados por conteúdo de usuários.
A depender do resultado do julgamento o STF pode declarar o artigo 19 inconstitucional obrigando as plataformas a atuarem de forma mais ativa na remoção de conteúdos ilegais, criar uma nova jurisprudência sobre a responsabilidade civil das empresas de tecnologia e os limites da liberdade de expressão na internet, além de intensificar o debate político sobre a necessidade de uma nova legislação. Trata-se portanto de um momento decisivo para o futuro da internet no Brasil.
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