quarta-feira, 19 de março de 2025
sexta-feira, 29 de novembro de 2024
Desqualificar e ironizar a tentativa de golpe é fruto de muito esforço
Por Lenio Luiz Streck, em Conjur
1. E o jovem professor de Direito Penal brilhou na Jovem TV ou "Campeonato de várzea: os pensadores de crimes"
Abro o WatsApp e vejo que alguém me remeteu um vídeo de um causídico sedizente professor de Direito Penal (provavelmente da Faculdade Balão Magico) e, tentando ser dramático e, quiçá, irônico, disse "sentir-se surpreso que alguém possa ser indiciado ou processado" pelo "simples fato de pensar em matar alguém". Já começou mentindo.
E então o jovem jus Einstein "desfilou" conhecimento, falando do iter criminis... "Explicou" como é. Defendia, clara e explicitamente - a emissora é claramente engajada no meme "pensar em matar não é crime" - a tese de que planejar e coisas do gênero não têm nada a ver com possibilidade de estarmos em face de crime de tentativa de golpe de Estado (atenção: nesses crimes, tentativa já é a consumação!).
Não vou me alongar aqui sobre isso. Dezenas de juristas já escreveram - e bem - sobre isso. Em especial, sugiro os seguintes textos:
- Jayme Weingartner Neto e Ramiro Gomes von Saltiele, sob o título "Atos preparatórios são puníveis em direito penal? Sobre tramar assassinatos e golpes"
- Golpe de 2022: elementos para a concretização do crime pela tentativa, de Fernando Fernandes e Guilherme Marchioni,
- Leonarto Yrochewsky, com Breves considerações sobre o crime de abolição violenta do EDD e
- Direito de contragilpe: o que são condutas atentatórias à democracia (partes I e II), de Emerson Ramos, Lenio Streck e Marcelo Cattoni.
O jovem "professor de direito penal proto irônico" da Jovem TV deveria ler (não só ele). Como disse um grande jornal em editorial: planejar golpe de Estado é um ato de traição à pátria. O Estado foi usado contra o próprio Estado. Correto.
Há também professores bem tradicionais reclamando de que a democracia brasileira está iliberal (sic). Escondido no discurso, a justificação do golpe. Aliás, a tentativa de golpe tinha até um núcleo jurídico de apoio. Demais, não? E a operação golpista tinha o sugestivo nome de Artigo 142 - esse que gerou hermenêuticas delinquenciais.
Aliás, nunca vi tantos "especialistas em Direito" (o negacionismo jurídico veio para ficar) dando palpites sobre o novo paradigma "pensar em matar não é crime" (atenção: pensar em matar não é crime, tranquilizem-se; isso é óbvio; e nem se discute tentativa de homicídio - porque não é disso que se trata; a pretensão de matar era meio para o fim, o golpe). E acho que mais não precisa ser dito.
Se há algo de ridículo nisso tudo é a tentativa de desqualificar a tentativa de golpe com argumentos pequeno-gnosiológicos como "pensar em matar não tem nada de mal". Isso dá Prêmio IgNobel, já que o Nobel está muito longe.
Apareceu também um membro do MP, quem, acostumado a denunciar pobres no atacado, transformou-se em garantista ad hoc, ao inventar a tese de que, como Lula não tinha sido empossado, não caberia golpe de Estado, porque ainda não era... deixa pra lá.
E assim a nave vai.
2. O Mito da Caverna na caverna e porque eles são muitos...!
O Brasil é terrível. Quem mais está ironizando e desfazendo da tentativa de golpe no qual se pretendia matar o presidente da República, o vice e dois ministros do Supremo Tribunal (no mínimo um) é a classe jurídica. As redes estão lotadas - e não só as redes - de professores (sic) e bacharéis sufragando a tese "pensar em matar não é crime" e coisas parecidas.
Tudo é furto de muito esforço. Construímos uma imensa comunidade jurídica reacionária, que odeia a Constituição e que prega o fechamento das instituições, mormente o STF.
Há tempos, o programa Fantástico, da Globo, quis ensinar filosofia nos domingos à noite. Queria, é claro, facilitar. Genial, não? No primeiro programa a repórter-filósofa entrou em uma caverna em Tubarão (SC) e de lá buscou explicar... o Mito da Caverna. Entenderam? Caverna-que-é-igual-a-uma... caverna! Bingo. O Nobel e o IgNobel são nossos. Na sequência, para explicar Heráclito, ela subiu em um caminhão, para falar do... movimento. Céus. O que mais inventarão?
O que falei acima é alegórico. Retrata os tempos de redes sociais e "o império do simples". Mais de 70% dizem que já não leem livros. "Alimentam-se" e memes e insta. E tik tok. E estamos indo bem na simplificação da linguagem.
Vamos criar inclusive verbetes explicando o que é um golpe de Estado. Vamos desenhar? Sim, porque, com todas as simplificações do ensino jurídico, conseguimos isso que está aí. Uma Operação 142. E Punhal Verde e Amarelo.
Eis o caldo de cultura em que pode ser encontrado o atual homo juridicus, o homo concurseirus, homo senso comunis, o homo instraganulus...
Portento, tudo que está aí - tentativa de golpes, justificativas das tentativas de golpes, desqualificação das tentativas de golpes, desdém pela democracia - é "fruto de muito esforço". Coisa de décadas de dedicação. Professores (principalmente da área jurídica) se esforçaram muito para formar alunos que hoje desdenham da democracia.
Professores e alunos e ex-alunos que fazem troça da tentativa de golpe. Ah, como essa gente se esforçou. E deu resultado. Como no diálogo de Zorro e Tonto, em que o primeiro perguntava: esse índios todos que se aproximam, o que me diz? E Tonto respondeu: "são muitos".
É isso que dá investir em resuminhos e sinopses pelas quais não se faz sinapses. É isso que dá descomplicar, facilitar, mastigar, plastificar...
Deu nisso. O jovem causídico fazendo ironia com golpe de Estado. Irônico isso, não?
3. Não riamos. Porque corremos o risco de rirmos de nós mesmos. O golpe, paradoxalmente, deu certo. Sim, lendo o que se lê por aí, o golpe deu certo
Numa palavra final: que não venhamos a rir. Se hoje no Direito há gente que relativiza golpe de Estado, é porque, paradoxalmente, o golpe deu certo. Não aponte o dedo para Reco-Reco e Azeitona. Você corre o risco de ser o Bolão.
Nós, juristas, temos culpa nisso. Imprensa e classe política, idem. Todos temos parcela de culpa. E devemos olhar para o espelho. Um ensino jurídico patético, irresponsável, que se perdeu entre estupidificações ou teorias políticas do poder. Formamos reacionários e néscios. Formamos gente que odeia a Constituição. Formamos negacionistas.
O resultado está aí. Jabuti não dá em árvore.
O golpe, paradoxalmente, já deu certo.
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sexta-feira, 19 de maio de 2023
Os especialistas de plantão para defender o lavajatista cassado. Por Moisés Mendes
Publicado originalmente no "blog do Moisés Mendes": Deltan Dallagnol cassado, Collor a caminho da cadeia, Bolsonaro sentado na agulha da vacina. Estamos numa semana com boa produtividade. E ainda tem o choro dos especialistas e juristas que os jornalões ouvem sempre (e são sempre os mesmos), para lamentar a cassação.
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Deltan Dallagnol (Imagem/reprodução) |
O choro dos especialistas lavajatistas é uma das partes mais divertidas, porque expõe a base hermenêutica cínica do fascismo disfarçada de liberalismo e de legalismo.
Os especialistas ouvidos por Folha, Estadão e Globo só confirmam que a cassação foi correta, porque eles nunca adotarão posição contrária às defendidas por direita e extrema direita.
O especialista do lavajatismo é ouvido pelos jornais para tentar calar a extrema direita.
Porque é preciso ter o contra ponto, como se os contrários à cassação tivessem equivalência numérica com a grande maioria que apoiou a decisão do TSE.
Tem reportagem nos jornais que anuncia assim: especialistas dizem que a cassação foi um exagero.
Aí, vamos ler o texto e são dois especialistas ouvidos. Apenas dois. Um diz isso e aquilo e o segundo concorda com o primeiro.
Se formos pesquisar o que esses especialistas legalistas disseram sobre a prisão de Lula e o golpe contra Dilma, está lá tudo ao contrário.
Às vezes fica a impressão de que são advogados chamando clientes em meio a essa bandidagem cheia do dinheiro.
São especialistas acenando atrás de clientes em desespero. O robô do ChaGPT sabe de cor o que os especialistas dizem para os jornalões.
Tem especialista que o Estadão entrevista desde o golpe da proclamação da República.
Claro que eles sempre aplaudiram o golpe.
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quarta-feira, 27 de julho de 2022
Oponentes no golpe de 2016, Reale e Cardozo se unem em manifesto pró-democracia
quinta-feira, 19 de maio de 2022
ONU recebe alerta sobre ameaças à democracia e ao Judiciário no Brasil
domingo, 4 de agosto de 2019
Juízes entregarão carta a Lula em que o qualificam como "Preso Político"
terça-feira, 23 de janeiro de 2018
Ferrajoli critica "impressionante" falta de imparcialidade contra Lula
quinta-feira, 14 de abril de 2016
Por que se discute a constitucionalidade do impeachment

O assunto, destaca a jurista, realmente não é tão simples de compreender, primeiro porque o crime contra a probidade administrativa, ou seja, contra as formas legais da administração pública, é destacado tanto no Artigo 85 da Constituição Federal, que define os crimes de responsabilidade nos atos do Presidente da República, quanto no Código Penal (artigo 339).
Outro ponto que atrapalha a objetividade nas discussões é que a forma como o Artigo 85 foi escrito “abre algumas hipóteses que interseccionam com crimes”, do código penal. Essa mescla, prossegue Piovesan, acaba confundindo até mesmos os juristas.
Por outro lado, a professora destaca que a Constituição traz clareza quanto ao processo do julgamento, ou seja, como deve ser o rito do impeachment no Congresso.
“[No caso de] crime de responsabilidade, a primeira fase é de juízo de admissibilidade pela Câmara, [em seguida] processo e julgamento pelo Senado. (...) crime comum também requer, se for cometido pelo presidente, o juízo de admissibilidade pela Câmara e julgamento pelo Supremo”, completa.
Juízo de admissibilidade é um termo jurídico que quer dizer ‘exame do recurso’, para saber se o processo tem fundamento ou não. Assim, trazendo para o exemplo presente, o que está ocorrendo hoje na Câmara dos Deputados é a discussão do juízo dos fundamentos do impeachment, para depois, se for aceito, ser examinado pelo Senado e, também sendo lá aceito, julgando nesta última Casa.
Tendo em vista essa explicação, Piovesan pontua que o nó jurídico enfrentado hoje é sobre a definição do que é probidade administrativa que também, com base no código penal, “poderia, em tese, incidir como um tipo penal”.
A grande questão - sobre a qual Piovesan não tem clareza - é que se o Supremo não puder avaliar o mérito ou não das acusações, caberá à Câmara aceitar o impeachment e julgar seu mérito. Ou seja, ele ganha um poder para destituir o presidente que está previsto apenas no sistema parlamentarista - e não no presidencialista, que foi o sistema escolhido por plebiscito pelos brasileiros.
“Agora, o que nós aqui em direito constitucional, literatura, doutrina, [entendemos] que é claro é: crime de responsabilidade tem natureza política; infração penal comum tem natureza jurídica; cada qual julgado por uma casa, [um pelo Congresso, outro pelo Supremo, quando o crime comum é praticado por alguém de foro privilegiado como um presidente da República].
Por isso, a afirmação dita entre os juristas de que o impeachment pode ser fruto de um crime político-jurídico, submetido a um julgamento político.
Uma lei ultrapassada
O segundo fator que divide as interpretações é quanto às definições do que seriam os crimes de responsabilidade fiscal. Piovesan chama a atenção para o fato da legislação que define esse tipo de crime ser da década de 1950, portanto, antes mesmo da criação da própria Constituição Federal.
“A Constituição de 1988 define de forma muito elástica e ampla, no Artigo 85, (...) crimes de responsabilidade nos atos do presidente que atentam contra a Constituição, especialmente contra probidade, livre exercício dos [demais] poderes, lei orçamentária etc. E a Constituição prevê que uma lei regulamentará o crime de responsabilidade. O ponto é que, lamentavelmente, o nosso legislativo foi incapaz nesses mais de 25 anos de adotar uma lei para regulamentar [o crime de responsabilidade administrativa] de forma adequada”, pontua.
Foi lhe lembrado que em muitos outros casos, não regulamentados por lei, coube ao Supremo definir a jurisprudência.
Piovesan compreende que a Lei do Impeachment (nº 1079/50) é desatualizada, se sobrepondo as normas que a própria Constituição estabelece sobre o que seria um crime de responsabilidade fiscal. A título de comparação, destacou que a lei de 50 coloca no bojo dos crimes contra probidade administrativa a falta de decoro no cargo. "Termos [como este são] extremamente amplos", pondera.
O papel do Supremo
A jurista avalia que o STF tem se manifestado de forma cautelosa na matéria, procurando “ser coerente com a sua jurisprudência”, como, por exemplo, levando em conta as experiências do caso Fernando Collor de Mello. A destituição do seu mandato, em 1992, também se deu com base na Lei 1079/50.
Porém a avaliação dos ministros do STF, a qual Piovesan se refere, não foi especificamente sobre a aplicação dessa normativa, mas sim quanto à atuação do Senado e da Câmara.
"O Supremo, quando decidiu [sobre o rito do impeachment na Câmara] tentou clarear um pouco essa penumbra de legislações, entendeu que cabe [o julgamento final] ao Senado, após a autorização da Câmara, [e que] o Senado não estaria obrigado, teria liberdade de processar ou não, votando e deliberando por maioria simples [a admissibilidade do processo de impeachment dentro da Casa]”.
Piovesan defende o papel do STF como corte garantidora dos direitos constitucionais. “No tocante ao impeachment (...) cabe ao Supremo tão somente a vigilância, o monitoramento do procedimento, porque pelo regramento constitucional o mérito, o processo e julgamento competem privativamente ao Senado Federal”.
Quanto ao rito de impeachment, o STF também interpretou que a presidente Dilma não será afastada do cargo por 180 dias, caso a Câmara decida pela destituição do seu cargo.
"O Supremo teve o cuidado de dizer: não é bem assim! (...), o argumento foi: no caso Collor coube ao Senado, como a decisão era tão dramática, avalizar a admissibilidade pela Câmara. Então se a Câmara autorizar para que a presidente seja afastada por 180 dias é necessário ainda o aval do Senado por maioria simples endossando e instaurando".
Presidencialismo vulnerável
A docente da PUC-SP considera que o atual sistema político torna o presidencialismo vulnerável, alertando para a necessidade do país estabelecer de forma mais clara os papéis institucionais de cada poder.
A professora mostra-se também preocupada com a proposta de um governo parlamentarista como saída para a crise política, não por conta do modelo de governo em si, mas pela ansiedade dos políticos no Congresso aplicarem alguma solução sem o amplo debate popular, que seja baseado na Constituição.
“Nós votamos em 93, a população escolheu o presidencialismo, não o parlamentarismo”, ressalta, lembrando em seguida que o universo da disputa de poderes na América Latina tem apontado nos últimos tempos para a teoria da “Supremocracia”, ou seja, do hiperfortalecimento do judiciário em detrimento do enfraquecimento dos demais poderes, desequilibrando o jogo democrático.
“[Dizíamos] na América Latina que saímos de regimes ditatoriais [e] prosseguimos a regimes hiperpresidencialistas. Hoje temos uma outra paisagem, o hiperpresidencialismo passa por um teste. (...) O que a gente está vivendo hoje é o desafio do fortalecimento de institucionalidade democrática com dificuldades e tensões”.
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PS: Não deixe de assistir aos vídeos da entrevista com a jurista Flávia Piovesan